segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Um Poder Judiciário "querido"

Já escrevi textos em outros sites, principalmente na época em que trabalhava no Gabinete da Soninha na Câmara dos Vereadores. Por mais que sejam textos antigos, resolvi republica-los. Até mesmo porque o contexto de alguns deles ainda não mudou muito.... como no caso do texto abaixo.

http://www.soninha.com.br/pivot/entry.php?id=1599&w=soninha__colunas
UM PODER JUDICIÁRIO "QUERIDO"
Por Victor Barau
Um Poder Judiciário “querido”
Dizem que quando você é acometido a algo doloroso, essa dor fica gravada na memória. Você a pressente quando se encontra numa situação semelhante. Pois no meu caso a dor que me é constante é a dor nas entranhas, o frio na barriga que sinto toda vez que penso no Judiciário Brasileiro.
E isso ocorreu a pouco. Folheando a revista época dessa semana, deparei-me com o título de um artigo que me fez lembrar do friozinho na barriga e das crises de ansiedade que sempre tive quando o assunto é o Poder Judiciário.
O título do artigo é “A professora que incomodou a Justiça” assinado pela Ruth Aquino. Ele trata da história de uma professora de 63 anos chamada Maria da Gloria Costa Reis que, ao denunciar o descalabro da situação da cadeia pública de sua cidade – Leopoldina/MG – denunciou o descaso dos operadores do Direito, notadamente dos Juízes e Promotores responsáveis pela administração da Justiça.
E o que aconteceu? Segundo a colunista, a Sra. Maria da Gloria foi condenada por difamação pela mesma Justiça ao afirmar ser inadmissível a conivência de magistrados, fiscais da lei e advogados com tamanha barbárie. Por sorte e pelos arcabouços jurídicos, ela não foi presa por ser primaria, mas foi condenada a pagar uma multa.
Que absurdo! Que falta de moralidade e respeito institucional! Que falta de respeito à Constituição!
Pelo que li, a Dna Maria da Gloria utilizou uma verve um pouquinho mais acentuada, mas sem nunca faltar ao respeito, ao expressar seu inconformismo com os “operadores do direito” que há décadas, para não dizer séculos, não conseguem agir de forma minimamente respeitosa na aplicação da Justiça e na administração da Lei, ainda mais num caso de flagrante desrespeito aos direitos humanos, como é o sistema carcerário brasileiro.
Não muito tempo atrás, a Soninha também sofreu uma investida da Associação Paulista de Magistrados, APAMAGIS, por comentar denúncias de corrupção no Judiciário. Vejam vocês, por manifestar sua opinião, a Soninha também foi ameaçada de processo. Ao que parece, a intenção da AMB não teve continuidade. Por que? Não posso dizer, só especular.
Agora o que querem o integrantes do Poder Judiciário – como o juiz José Alfredo Junger de Souza Vieira (que vestiu a carapuça da verve da Dna Maria) e a AMB (que sem a representatividade necessária, entendeu ser o foco dos juizes corruptos comentados pela Soninha) – com investidas como essas? Abafar o direito constitucional de livre manifestação de opinião? Minar a opinião publica através de coerção e ameaças “institucionais”, pelas vias legais? Causar terror, pânico? Manter-se no pedestal? Implantar na cabeça de cada brasileiro que o Judiciário vai bem, com um deslize aqui, uma falha ali? Que o Poder Judiciário está acima de qualquer critica?
Criticar as mazelas do Poder Judiciário agora é difama-lo? Imputar aos responsáveis pela aplicação da justiça e das leis a responsabilidade por tamanho descalabro quanto o sistema carcerário brasileiro é crime? Cobrar a atitude dos responsáveis pela justiça para se evitar a corrupção e se garantir, minimamente os direitos humanos, o direito a vida é atitude contrária a lei passível de punição?
Pois é. É isso que parece. Nada é pessoal, ninguém tem responsabilidade pelo descalabro que vivemos na Justiça brasileira. Tudo é culpa do sistema. Mas e o sistema funciona? Não! E quem esta em suas entranhas, o faz funcionar, busca sua melhoria? Muito pouco! E o que é feito? Para não dizer “nada”, repito que muito, muito pouco mesmo, ainda mais no caso paulista onde orçamento deste ano é de quase R$ 5 bilhões além de mais de R$ 2 bilhões de taxas judiciais arrecadadas ao longo de 2.007.
Realmente não conheço a fundo o Poder Judiciário Mineiro como a Dna Maria, mas o Paulista conheço bem. Para que se tenha uma idéia, até hoje o Poder Judiciário Paulista não está informatizado. Tem um programa aqui, outro ali que a passos de tartaruga vai se implantando e unificando. Eu que entrei na faculdade em 96 desde então escuto dizer que será implantado um sistema eletrônico de processamento de processos. Estamos em 2008 e somente agora que, na maioria das varas da capital, tem-se acesso a decisões via Internet. A situação é um absurdo tamanho que, tal como ocorre no Poder Executivo, a cada novo presidente do TJ que passa, o sistema é reformulado e volta quase para a estaca zero. O absurdo é tamanho que na maioria dos cartórios judiciais os servidores públicos tem que trabalhar com os dois sistemas, duplicando sobremaneira o trabalho.
E a OAB, o que faz? Somente a listinha dos abominados pela classe por, supostamente, serem contra a classe profissional? Além disso, a não ser disputas políticas sem sentido, indicações do famoso “quinto constitucional” não percebo mais nada.
Eu, advogado que infelizmente ainda sou, já tenho crises de ansiedade só de pensar que tenho que entrar com uma simples ação. Pois a cada ação que ingresso, sei que estou gerando um “filho” que vai nascer, crescer, se reproduzir (com inúmeros recursos e incidentes muitos deles por erros crassos cometidos nas decisões) e somente muitos, muitos anos depois, esse processo vai se encerrar. A não ser que o cliente faça um acordo, abrindo mão de seus direitos, acordo esse que ocorre não por vontade própria, mas pela insegurança jurídica e pela morosidade do judiciário na aplicação da lei e da justiça e os juros incidentes durante esta tramitação.
Mas, diriam alguns, até ai, tudo bem, pois essa é a burocracia necessária para garantir o princípio democrático que impera em nosso Estado de Direito. Principio este que deve zelar por princípios consagrados tais como o da imparcialidade, equidade, da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, dentre inúmeros outros que poderia citar e discorrer longas testes.
Porém, é inadmissível ingressar com uma ação e saber que ela levará 5, 10, quem sabe até 20 anos para acabar. Na minha vida profissional já trabalhei com processos que se iniciaram na década de 60 e sabia que levaria ainda mais de 10 anos para se encerrar. Um simples processo de desapropriação.
Agora o que causa mais indignação, além da falta de celeridade, é a falta de certeza do que pode vir a sair de uma sentença. Uma das primeiras lições de direito que tive, antes mesmo de ingressar na faculdade, foi um conhecido ditado corrente que afirma “de cabeça de juiz e bundinha de nenê, você nunca sabe o que esperar”.
Pois é. Nesses 10 anos que trabalho no mundo jurídico, já tive a oportunidade de presenciar tantas decisões esdrúxulas. Ex. Dois juízes diferentes de uma mesma vara proferirem sentenças idênticas, até mesmo nas virgulas em casos completamente diferentes um do outro – apesar de terem partes iguais. Copia e cola pura. Com todo o respeito possível apresentamos um recurso (embargos de declaração) para dizer: Exa. acho que o senhor se confundiu. A sentença dada é de outro caso, que tem outros fatos e outra discussão jurídica. E o dito cujo (para não dizer outra coisa) ainda teve o disparate e a arrogância de dizer que se não concordássemos com ele que buscasse a reforma da sentença no tribunal.
Vi um jovem trabalhador de 20 e poucos anos ser condenado a mais de 20 anos de prisão por atentado violento ao pudor, estupro e roubo de 2 passes de ônibus. Pasmem: não havia nenhuma prova que desse suporte a acusação – nem a vitima teve tanta certeza de que o acusado foi quem realmente o tinha estuprado. Por sua vez havia 6 testemunhas que, cada um com seu modo de falar, afirmaram categoricamente que o acusado estava a mais de 20 quilometros do local do crime no mesmo momento. Não bastasse a condenação, que baseou-se meramente na declaração do Boletim de Ocorrência – diga-se uma vez mais, que sequer foi referendado pela vitima em audiência de instrução – condenou o acusado e ainda mandou processar as 6 testemunhas por crime de falso testemunho.
Vi um recurso ser julgado em menos de 2 meses de seu ingresso no Tribunal – quando o normal é, pelo menos 3 anos – tudo isso para atender os interesses econômicos de uma determinada companhia estrangeira em detrimento de uma companhia nacional.

Vi Juiz publicar “portarias” individuais dizendo que não atendem advogados em hipótese nenhuma. Para não falar nos inúmeros casos de flagrante trafico de influencia e até mesmo casos de corrupção tão noticiados pela imprensa.
Não quero ser maniqueísta. Mas em 10 anos de advocacia, pouco tempo, já me surpreendi com esses e tantos outros casos, tantas histórias de outros colegas? São casos que nos deixam indignados.
Sei que o trabalho de um juiz realmente é extenuante e difícil. Todavia isso não pode servir de desculpa para tamanha demora na solução de uma ação e para que decisões tão absurdas sejam reiteradamente proferidas.
Além disso, é inadmissível as atitudes de integrantes da magistratura, institucionalmente, processem quem manifesta opinião contrária a esse “status quo” e seus pares julgam a favor de seus interesses, contra pessoas como a Dna Maria da Gloria. Será que eles estão acima do bem e do mal e devemos agradecer, sem qualquer manifestação, o maravilhoso serviço que nos é disponibilizado. Realmente. Onde estamos?
Mas ainda espero que um dia não sinta o friozinho na barriga, pois acredito no Poder Judiciário “querido” pelos brasileiros. Um Poder Judiciário célere, imparcial e zeloso pela justiça.
PS: Felizmente, passados 4 anos na cadeia, o caso do estuprador foi revertido no Tribunal em embargos infringentes que somente pode ser apresentado após 2 recursos (apelação e embargos de declaração). Imagina se quisessem limitar o numero de recursos, esse rapaz talvez ainda estivesse preso. Mas e a vida do rapaz? Recebeu alguma reparação? Não sei. Perdi contato com ele e, sinceramente, não sei como está hoje em dia.
PPS: vale a pena conferir o blog do qual faz parte a Dna Maria da Gloria
http://www.jornalrecomeco.blogspot.com/
PPPS: Se alguém tiver interesse, posso mostrar cópias dos processos que citei ou ao menos indicar onde encontrá-los em algum dos milhares de escaninhos do Poder Judiciário.

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