quinta-feira, 14 de abril de 2011

O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL - PREMISSAS PARA UMA REFORMA QUE RESPEITE OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA


1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Brasil é mundialmente conhecido como país de grande desigualdade social. E um dos principais motivos para tanto se dá por nosso ineficiente e injusto Sistema Tributário, o qual está para ser Reformado desde que me entendo por gente.

Infelizmente não acredito que tenhamos uma verdadeira reforma tributária no Brasil. Não sem se promulgar uma nova Constituição.

Não quero aqui entrar nos meandros dos legalismos e expressões jurídicas que são inerentes ao tema. Tampouco quero adentrar na discussão da vasta conceituação jurídica inerente aos tributos e todas as suas espécies. Pretendo sim, de modo acessível e objetivo (por mais longo que o texto possa ser) é trazer a luz as incongruências e vicitudes do Sistema Tributário Brasileiro para, com isso, estabelecer as principais premissas que, creio, devam nortear essa discussão há anos engavetada nos escaninhos do Poder Público.

Exceção que me permito fazer à premissa acima está no conceito de tributo, o qual reproduzo exatamente o quanto disposto no artigo 3 do Código Tributário Nacional. Tributo, por assim dizer, significa: "toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

Em outras palavras, o Tributo é uma obrigação do cidadão para com o Estado, obrigatória - imponível a todos - que deve ser paga em dinheiro, que deve ser estabelecida em lei e decorrente de atos lícitos (ou seja excluem-se atos criminosos, os quais são passíveis de outras penalidades - multa, prisão, etc), cuja cobrança deva decorrer de exclusivamente de ações estatais voltadas à sociedade.

De forma geral, os Tributos são regidos por quatro princípios fundamentais, relacionados diretamente aos preceitos Democráticos e dos Direitos Humanos. Sim, Direitos Humanos, pois seus princípios são amplos, indivisíveis e universais, estando hierarquicamente acima até mesmo da Constituição de cada país, e devem pautar todos os atos do Estado, sejam eles legislativos ou administrativos. São eles:

IGUALDADE - (ou Capacidade Contributiva): significa dizer que a cobrança de tributos deverá respeitar a igualdade entre os cidadãos, analisando-se suas diferenças sociais e econômicas;

LEGALIDADE - (ou o Respeito ao Estado de Direito): significa dizer que não é permitido cobrar tributos (sua hipótese de incidência, fato gerador e alíquota) bem como estabelecer-se benefícios (imunidades e isenções) e punições (pela falta de pagamento e/ou sonegação), sem que haja previsão legal (Constituição, Leis, Decretos, etc);

LIBERDADE - (Proibição de Confisco): É vedado ao Estado cercear à liberdade e as garantias fundamentais (livre iniciativa, propriedade, direito de ir e vir, entre outros) pela cobrança desarrazoada e desproporcional (ou seja exagerada) de tributos;

ANTERIORIDADE - Atrelada ao princípio da Legalidade, impede que o Estado institua a cobrança de tributos sem respeitar um prazo para o inicio de sua vigência, de forma a surpreender os cidadãos.

Gênero que é, os Tributos são subdivididos em espécies e sua arrecadação é vinculada a uma destinação especifica, ou seja a uma atividade administrativa vinculada como diz o conceito de tributo, conforme abaixo:

IMPOSTOS - Financiamento Geral das Atividades do Estado;

TAXAS - Contraprestação por serviços públicos específico e divisível para cada contribuinte (efetivo ou potencial) e/ou decorrentes do poder de polícia;

CONTRIBUIÇÕES - financiamento específico para financiar política pública especifica e determinada (Melhoria; Sociais, Previdenciários, Intervenção Domínio Econômico).

Além disso, para melhor compreender os objetivos desta análise, podemos dividir os Tributos quanto à categoria econômica sobre o qual estes recaem - os chamados fato geradores tributários. São elas:

RENDA - ou seja tudo aquilo que se aufere pela realização do trabalho;

PATRIMÔNIO - propriedade de bens (móveis e imóveis);

ATIVIDADE ECONOMICA - circulação de riquezas.

O Sistema Tributário Nacional, tal como existe atualmente, foi criado buscando harmonizar as relações da sociedade de forma a se atender aos seus princípios fundamentais, como também de forma a se respeitar o pacto federativo sob o qual vivemos.

Entretanto, infelizmente todo o arcabouço de normas tributárias vigentes está longe de se adequar aos princípios pelos quais foram criados. E adequar-se ou rever-se tais princípios é o que está por traz da Reforma Tributária, tema este que nossos representantes há décadas efusivamente evitam encarar.

Mas antes de adentrar nessa análise dois esclarecimentos se fazem necessários.

O primeiro diz respeito aos dados de arrecadação tributária utilizados para as justificativas que serão apresentadas. Tais dados são oriundos do Relatório "Carga Tributária No Brasil 2009" elaborado pela Receita Federal e disponível no endereço http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2009.pdf.

Por falta de tempo para sistematizar, não foi possível levantar e sistematizar informações relativas à Carga Tributária no Brasil numa série histórica, o que seria de grande valia para avaliar o contexto das políticas públicas na história brasileira, notadamente os sucessivos Planos Econômicos tendentes à acabar com a inflação e a tendência do aprofundamento da injustiça tributária nacional, sobremaneira potencializadas por ocasião do Plano Real.

Porém, respeitadas as nuances e variações anuais, bem como o histórico da legislação tributária brasileira, as conclusões ora apresentadas valem para o período histórico compreendido entre 1966 e os dias atuais.

O segundo esclarecimento que se faz necessário é o fato de que não se analisou no presente artigo todo o arcabouço jurídico tributário nacional dada a impossibilidade de tempo e estrutura para tanto. Optou-se por analisar-se os conceitos básicos tributários, tal qual já apresentados e seu reflexo financeiro na arrecadação tributária nacional.

2) A ILUSÃO DO PACTO FEDERATIVO

Desde a Proclamação da República (salvo a Era Vargas entre 1937 e 1946) importante notar que o Brasil, em tese, constitui-se numa Federação. Federação, por definição significa a união de Estados que delegam sua soberania ao Estado Federal. Ou seja é como se cada Estado Brasileiro fosse independente dos demais em sua formação sendo que, em determinado momento da história, estes resolveram unir-se em torno de uma centralidade de Poder.

Pois bem, desde que o Código Tributário Nacional foi sancionado em 1966, nele se previu um sistema de harmonização das competências tributárias, onde buscou-se atribuir, a cada Ente Federativo, a competência por legislar e administrar tributos sob todas as categorias econômicas tributárias.

Assim é que, historicamente, a divisão das diversas espécies tributárias (por espécie e categoria econômica) pelos entes federativos (União, Estados e Municípios) praticamente permanece inalterada.

Há duas exceções a essa regra devem ser destacadas, ambas as quais demonstram o processo de concentração do poder tributário da União Federal frente aos demais entes federativos que veremos adiante.

A primeira se faz quanto aos tributos incidentes sobre a Renda, onde a partir de 1993 a competência exclusiva sobre o poder de legislar sobre o mesmo restou à União Federal. Isto se deu através da Emenda Constitucional 03 que alterou o artigo 155 da Constituição, excluindo da competência dos Estados a possibilidade de legislar e cobrar o Adicional de Imposto de Renda Estadual.

A segunda exceção diz respeito às Contribuições em geral, exceto as de Melhoria. Até 1977 havia grande discussão jurídica quanto a natureza jurídica das Contribuições - previdenciárias, sociais, sindicais - sendo tal discussão foi dirimida com a promulgação do Ato Institucional nº 08/77 e posteriormente consolidada com a Constituição Federal de 1988. Neste, reservou-se a exclusividade da União Federal para instituir-se quaisquer contribuições que não a de Melhoria[1].

O quadro abaixo facilita a compreensão da atual divisão das competências tributárias e as categorias econômicas sobre os quais recaem os tributos previstos em nossa legislação:

Quadro 01 - Espécies Tributárias por categoria econômica X Competência Tributária dos Entes Federativos

Entes Federativos / Fatos Geradores

União (artigos 153 e 154 CF)

Estados (art. 155 CF)

Municípios (art. 156)

Renda

- Renda (IR)

- Contr. Previdenciária

- Contr. ao Seguro de Acidente do Trabalho

- Contr. ao Salário Educação

- Contr. ao Sistema S

Patrimônio

- Imposto Propriedade territorial Rural (ITR)

- Grandes Fortunas

- Contribuição de Melhoria

- Imposto Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Natureza (ITCMD)

- Imposto Propriedade Veículos Automotores (IPVA)

- Contribuição de Melhoria

- Imposto de Propriedade predial e territorial Urbano (IPTU)

- Imposto de Transmissão de bens Imóveis (ITBI)

- Contribuição de Melhoria

Atividade Econômica

- Imposto Produtos Industrializados (IPI) *

- Imposto de Operações Financeiras (IOF) *

- Imposto de Importação (II) *

- Imposto Exportação (IE) *

- Contr. Social da Seguridade Social (COFINS)

- Programa de Integração Social (PIS)

- Contr. Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

- Contr. de Intervenção do Domínio Economico (CIDE)

- Imposto Circulação Mercadorias e Serviços (ICMS)

- Imposto de Serviços de Quaisquer Natureza (ISS)

O que se verifica do quadro supra é uma verdadeira concentração da política tributária sob a competência da União Federal, em detrimento dos Estados e Municípios.

De modo que, sob a ótica do poder soberano, facilmente se conclui que o pacto federativo brasileiro é uma falácia, pois o poder político de se legislar sobre a tributação, recurso financeiro necessário para custear as despesas decorrentes das políticas públicas elaboradas sob o pacto da Constituição, está sob o pálio da União Federal.

Tal cenário também encontra reflexo quando analisamos o pacto federativo nacional sob outras óticas, notadamente às competências legislativas (vide artigos 21 a 34 da Constituição Federal) e das atribuições do Poder Executivo frente à Administração Pública. Não quero me alongar muito sobre esses outros aspectos, pois não vinculados ao tema do presente artigo.

O que importa para a presente análise é o fato de que há uma verdadeira concentração do poder político e econômico da União Federal frente os demais entes federativos, tolhendo-lhes a independência de auto determinação soberana e, conseqüentemente, uma melhor aplicação dos recursos públicos e execução das políticas públicas frente às necessidades regionais.

Quando tal cenário é analisado sob a ótica financeira, a afirmação ora apresentada fica ainda mais evidente. É o que se extrai do quadro abaixo, o qual traz à efetiva arrecadação dos tributos administrados por todos os entes federativos em 2009:

Quadro 02: Arrecadação Tributária por Ente Federativo

Ente Federativo

Orçamento Fiscal

%

União

737,004.43

69.83%

Estados

270,046.37

25.59%

Municipios

48,356.17

4.58%

Total

1,055,406.97

100.00%

Ou seja, mais de 2/3 de toda a arrecadação tributária brasileira está concentrada na União Federal, cabendo aos Estados administrarem receitas de 25,59% e aos Municípios meros 4,58% do total.

A política pública tributária tão centralizada na União Federal - seja sob o primas do poder de legislar, seja sobre a efetiva arrecadação - é uma afronta aos Direitos Humanos, observados coletivamente, pois não permite tratar as desigualdades regionais de forma a diminuí-las extingui-las.

Melhor dizendo, o Sistema Tributário, enquanto observado como política pública de distribuição de justiça(sob a ótica política) e renda (sob a ótica economica), se tratado de forma centralizada, como ocorre na história do Brasil, acaba por impedir a adoção de políticas públicas, não só tributárias, adaptáveis às realidades dos Estados e Municípios, de maneira a buscar o equilíbrio da sociedade brasileira.

Nem se diga que a repartição das receitas da União para com os Estados e Municípios e dos Estados para com os Municípios - os chamados Fundos de Repartição das Receitas Tributárias (vide artigos 157 a 161 da Constituição) - se prestam à garantir tal independência.

Isso porque, de um lado, tais Fundos criam verdadeira burocracia entre os entes federativos, gerando desconfianças e discussões judiciais sem fim sobre sua exatidão.

Por outro lado, de acordo com os artigos 157 a 161 da Constituição Federal, a repartição de receitas tributárias está adstrita à arrecadação da União Federal com impostos, excluindo-se às receitas provenientes das Contribuições em geral.

Ou seja, a repartição das receitas tributárias - ou melhor dos impostos - federais com os demais entes federativos é, na verdade, mero afago ao conceito da regionalização e da soberania dos Estados frente a União Federal.

E conforme se verifica do quadro abaixo, 42% das receitas tributárias auferidas nacionalmente são decorrentes de contribuições, quase que exclusivas de competência da União Federal[2].

Quadro 03: Arrecadação Tributos por Ente Federativo X Espécie Tributária

União

Estado

Municipio

Total

R$

% Ent Fed

% Especie

R$

% Ent Fed

% Especie

R$

% Ent Fed

% Especie

R$

%

Imposto

255,636.84

34.69%

47.59%

243,185.30

90.05%

45.27%

38,336.18

79.28%

7.14%

537,158.32

50.90%

Taxa

4,989.17

0.68%

30.77%

7,938.36

2.94%

48.96%

3,285.89

6.80%

20.27%

16,213.42

1.54%

Contribuição Previdenciária

202,200.54

27.44%

90.44%

17,127.42

6.34%

7.66%

4,246.11

8.78%

1.90%

223,574.07

21.18%

Contribuição Social

212,853.11

28.88%

100.00%

0

0.00%

0.00%

0

0.00%

0.00%

212,853.11

20.17%

Outras Contribuições

6,598.82

0.90%

100.00%

0

0.00%

0.00%

0

0.00%

0.00%

6,598.82

0.63%

Não Tributário

54,725.95

7.43%

92.74%

1,795.29

0.66%

3.04%

2,487.99

5.15%

4.22%

59,009.23

5.59%

Total

737,004.43

270,046.37

48,356.17

1,055,406.97

100.00%

Por assim dizer, do total da arrecadação tributária nacional, verifica-se que os Impostos correspondem à 51% do total arrecadado enquanto as demais Contribuições correspondem à 42% do total.

Num calculo não preciso - pois não levantei os dados relativos à repartição das receitas tributárias - mas não longe da realidade, vale dizer que a União Federal é destinatária de 50% das receitas tributárias, enquanto Estados e Municípios dividem os outros 50% restantes.

Na prática, os recursos tributários partilhados pela União com Estados e Municípios e dos Estados para com os Municípios, antes de chegar a cada cidadão como serviços públicos, passa de mãos em mãos por uma verdadeira burocracia estúpida e desarrazoada, gerando custos estrondosos (pessoal, sistemas, arquivos, fiscalizações e auditorias entre outros).

Isso sem falar na possibilidade de desvios ao longo do caminho (legais ou criminosos) que entopem o Poder Judiciário com infindáveis discussões jurídicas.

O pacto federativo que rege o Estado Brasileiro, portanto, está somente no papel - pois tal conceito não está baseado nas raízes de nossa história, haja visto ter sido imposto quando da Proclamação da República - e de fato, só pela ótica da legislação e arrecadação tributária, já permite a conclusão de que há um desproporcional poder político da União Federal frente aos demais entes federativos, limitando a Soberania dos Estados e a autonomia dos Municípios.

Assim é que, se pretendemos uma reforma tributária verdadeira, o conceito de federalismo que rege o Estado Brasileiro precisa ser revisto e até mesmo rediscutido enquanto valor da sociedade brasileira. Pois ou vivemos verdadeiramente o conceito da Federação, garantindo a soberania, ainda que parcial, dos Estados, ou encaramos o Brasil como uma unidade, donde decorrerá uma legislação tributária que atenda às necessidade locais, ainda que de forma centralizada.

3) A DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA

E O DESRESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Mais importante que a discussão sobre o pacto federativo é a carga tributária brasileira e a desigualdade que esta ocasiona na distribuição do patrimônio nacional.

Sem maiores delongas, seja sob a ótica legislativa, seja sob a ótica da arrecadação, os tributos brasileiros estão concentrados, por sua categoria econômica, na Renda e na Atividade Econômica em detrimento do Patrimônio.

É nesta disparidade que se encontra a raiz da desigualdade social brasileira como também na falácia do Federalismo Brasileiro.

A política tributária, sob o ponto de vista dos princípios de Direitos Humanos e da Democracia, é a maior expressão do conceito da igualdade. Pois através dela se vive, em tese, a verdadeira justiça, onde todos os cidadãos de uma sociedade são vistos, por sua obrigação frente ao Estado, em razão de suas desigualdades e, em tese, são tratados sob essa ótica.

Ainda sob o enfoque dos Direitos Humanos e da Democracia, em tese, a política tributária traz em si a limitação de Poderes entre o coletivo e o individual, garantindo-se a exata medida da liberdade de cada individuo frente ao coletivo em que se vive. Exatamente porque, primando-se de um lado pelo princípio da legalidade, não se permite o abuso do poder soberano de uma sociedade frente ao individuo, e de outro, restringe-se a limitação do poder de tributar em razão do respeito à liberdade de cada individuo, impedindo-se a supressão das garantias fundamentais por exageros na instituição dos tributos.

E do ponto de vista econômico, a política tributária constitui-se na maior e mais efetiva política de distribuição de renda.

Observando-se, sem embargo, o principio fundamental da igualdade, as desigualdades tem como plataforma maior a redistribuição da riqueza através das política tributária, a qual, através de serviços públicos voltados a toda a sociedade, sem qualquer discriminação, dá garantia aos direitos fundamentais, tanto individuais e políticos, como também e, principalmente, os sócio-economicos.

Trazendo isso para a nossa realidade, o tratamento das desigualdades pela política tributária, sob a ótica da capacidade contributiva, sempre em tese, deve proporcionar uma sociedade justa e sustentável. Uma sociedade em que todos tenham direito à educação de qualidade, acesso a serviços públicos de saúde eficientes, ao transporte acessível e pontual a qualquer localidade, entre tantos, tantos outras garantias fundamentais previstas em nossa Constituição.

Claro que a política tributária não é a única política pública que traz a redistribuição de riquezas, existem diversas outras, tais como a política de seguridade social, emprego, crédito, economia interna e externa, entre outras. Contudo, a política tributária é o instrumento direto e primaz do Estado e serve para financiar, direta e indiretamente, todas as demais políticas públicas.

Pois bem, seguindo a mesma metodologia de análise - legislativo e arrecadação - é de se concluir, categoricamente pela injustiça do Sistema Tributário Brasileiro.

Sob o aspecto legislativo, vale nota o fato de que há 10 tributos previstos na legislação brasileira que incidem sobre qualquer atividade econômica dos quais 6 são impostos (4 de competência da União Federal, 1 dos Estados e 1 dos Municípios) e 4 são contribuições sociais (todos eles de competência da União Federal).

Sobre os tributos sobre a Renda a mesma situação se repete, na medida em que os 5 tributos previstos (1 imposto e 4 Contribuições) são de competência exclusiva da União Federal.

Não importa se você é um agricultor, um empregado, um prestador de serviço, comerciante ou trabalha na indústria. Sob qualquer ótica recairão sobre si uma enorme gama de tributos com cargas tributárias extremamente injustas.

E todos eles são tributos indiretos, ou seja, aqueles incidentes sobre a atividade econômica, são recolhidas pelos detentores do capital e embutidas nos custos da atividade econômica, sendo repassadas a nós, meros cidadãos mortais.

Melhor dizendo, praticamente todos os tributos sobre a renda e a atividade econômica estão embutidos em nossos salários e nas compras que fazemos, não importa se necessárias ou extravagantes, quer você queira ou não.

Este sistema, além de injusto, pois não respeita o princípio da igualdade, ou melhor dizendo a capacidade contributiva, se presta para desinformar, desarticular a sociedade de maneira a impedir que cada cidadão tenha a certeza de quanto está pagando de tributos ao Estado e, por conseguinte, impede que o Estado seja cobrado por suas responsabilidades e por serviços públicos inefetivos, indignos e de péssima qualidade.

Tal pratica é reflexo de um costume da sociedade brasileira que remonta aos primórdios de nossa colonização, refletindo por conseguinte a maior desigualdade brasileira: a riqueza que é o conhecimento.

O equívoco do Sistema Tributário Nacional é corroborado quando analisamos a arrecadação tributária efetivada.

Pelos dados do Relatório "Carga Tributária No Brasil 2009" verifica-se claramente a afirmação de que a tributação no Brasil é centrada nos tributos relacionados à renda e à atividade econômica.

Pela leitura do quadro abaixo, verificamos que 94% dos tributos nacionais referem-se à tais categorias, onde 50,4% refere-se à renda e 43,97% sobre a atividade econômica.

Quadro 04: Arrecadação Tributos por categoria econômica

R$

%

Renda

532,807.18

50.48%

Atividade Economica

464,016.36

43.97%

Patrimônio

35,573.49

3.37%

Outros

23,009.94

2.18%

Total

1,055,406.97

100.0000%

A abertura dos dados entre os entes federativos somente reforça o quanto afirmado no capítulo anterior, onde à União cabe 95,99% dos tributos relacionados à renda (dos quais 36,09% referem-se à Impostos e e 53.58% referem-se à Contribuições) dos tributos relacionados à Atividade Econômica (dos quais 33,32% referem-se à Impostos e 51,74% referem-se à Contribuições). Confira-se:

Quadro 05: Arrecadação Tributária por Categoria Econômica X Entes Federativos

União

Estados

Municipios

Total

R$

%

R$

%

R$

%

R$

%

Renda

511,433.65

95.99%

17,127.42

3.21%

4,246.11

0.80%

532,807.18

50.48%

Atividade Economica

217,634.14

46.90%

224,027.74

48.28%

22,354.48

4.82%

464,016.36

43.97%

Patrimônio

434.23

1.22%

19,157.56

53.85%

15,981.70

44.93%

35,573.49

3.37%

Outros

7,502.41

32.61%

9,733.65

42.30%

5,773.88

25.09%

23,009.94

2.18%

Total

737,004.43

270,046.37

48,356.17

1,055,406.97

100.00%

Verifica-se também que, ao se analisar os tributos por sua espécie, sua concentração está na União Federal além do que grande parte dos mesmos relaciona-se à Contribuições e não Impostos - renda (36,09% Impostos e 53.58% referem-se à Contribuições); Atividade Econômica (33,32% Impostos e 51,74% Contribuições) - contribuições estas que, na prática, são indiretas, sendo embutidas no custo da cadeia econômica.

Quadro 06: Arrecadação Tributos por Espécie Tributária X Categoria Econômica

Renda

Atividade Economica

Patromônio

Outros

Total

R$

%

R$

%

R$

%

R$

%

R$

%

Imposto

192,315.02

18.22%

309,269.81

29.30%

35,573.49

3.37%

0

0.00%

537,158.83

50.90%

Taxa

0

0.00%

0

0.00%

0

0.00%

16,213.42

1.54%

16,213.42

1.54%

Contribuição Previdenciária

223,574.07

21.18%

0

0.00%

0

0.00%

0

0.00%

223,574.28

21.18%

Contribuição Social

61,877.51

5.86%

148,462.36

14.07%

0

0.00%

0.00

0.00%

210,340.07

19.93%

Outras Contribuições

314.63

0.03%

6,284.19

0.60%

0

0.00%

2,513.24

0.24%

9,112.07

0.86%

Não Tributário

54,725.95

5.19%

0

0.00%

0

0.00%

4,283.28

0.41%

59,009.28

5.59%

Total

532,807.18

50.48%

464,016.36

43.97%

35,573.49

3.37%

23,009.94

2.18%

1,055,407.95

100.00%

Essa disparidade entre impostos e contribuições, para o nosso dia a dia, parece não nos trazer muita implicação. Porém, além de justificar ainda mais a concentração de poderes na União Federal, também nos traz uma situação peculiar, na medida em que sobram menos recursos para gastos gerais do estado - tais como construção de escolas, creches, postos de saúde, melhoria da infra-estrutura nacional - e conseqüentemente, menos recursos para a repartição, já combalida, das receitas tributarias entre os entes federativos.

Assim, para termos uma educação de qualidade, sob a ótica do processo político tributário existente desde a década de 90, seria necessário criar e/ou aumentar a carga tributária através de contribuições existentes (Contribuição ao Salário Educação) ou a serem recriadas (CPMF) para que tenhamos serviços públicos de saúde e educação minimamente adequados.

3.1. Da tributação sobre o patrimônio e a renda

Seguindo adiante, da análise do quadro supra poder-se-ia concluir que a injustiça tributária no Brasil não é tão grande quanto se alardeia.

Veja-se que, de fato, a carga tributária incidente sobre o patrimônio é 3,37% do total de tributos arrecadados pelos entes federativos. E não poderia ser diferente na medida em que o acumulo de patrimônio pressupõe o fato de que o mesmo se dá somente após a tributação sobre o rendimento, sendo este, em verdade, o lucro auferido por nossa atividade laboral, qualquer que ela seja.

Além disso, poder-se-ia dizer, com certa propriedade, que o patrimônio, via de regra, refere-se à moradia, aos imóveis em geral, que na ampla maioria dos casos servem como habitação, garantia fundamental prevista em nossa Constituição.

Pois não é bem assim.

De fato o grande acervo do patrimônio nacional constitui-se sobre bens imóveis - casas, prédios, terrenos, áreas rurais - sendo que para a grande maioria da população este pode ser seu único bem.

Neste sentido, de acordo com a PNAD 2008, há no Brasil 56,4 milhões de domicílios particulares para uso para a habitação, dos quais 73,6% são próprios, 19,1% são alugados e 6,8% cedidos.

Se considerarmos que, ainda de acordo com a PNAD 2008, 82% das famílias vive com até 3 salários mínimos (R$ 1.620,00) seria possível a conclusão de que o fato da arrecadação tributária sobre o patrimônio ser tão baixa seria reflexo de uma condição natural da propriedade no Brasil, atendendo, por conseguinte, os fins da capacidade contributiva.

Contudo, quando falamos de patrimônio, não podemos nos cingir somente à propriedade de imóveis (base de cálculo do IPTU e do ITR), ou sua transmissão à título de doação, herança e/ou venda (ITCMD e ITBI), mas também sobre outros bens, tais como ações, fundos, automóveis, propriedade intelectual, entre tantos outros.

Ou seja, a premissa do sistema tributário nacional quanto a tributação do patrimônio está centrada num conceito equivocado de propriedade de algo corpóreo, como o é um imóvel ou um automóvel, deixando livre de qualquer tributação, ou com tributação ínfima, todas as demais classificações relativas ao patrimônio, notadamente os financeiros e acionários.

Esse cenário induz a mentalidade do acumulo de riquezas hereditárias, circunscritas à unidade familiar e não à sociedade como um todo. A geração de riquezas feita há 100 anos, p.ex, se presta a financiar a 4a. geração de uma família, onde seus descendentes, via de regra, acabam não contribuindo para o crescimento econômico coletivo, mantendo à concentração de riquezas por meros vínculos consangüíneos.

À título de comparação, nos Estados Unidos, o imposto sobre heranças - equivalente ao ITCMD brasileiro - chega a patamares de 70% sobre o total da herança! Tal medida, que a princípio pode soar como um absurdo, ainda mais para a meca do capitalismo mundial, na verdade estimula a economia, seja quando analisamos o papel dos herdeiros na sua participação econômica frente a sociedade, seja pelo fato de que a arrecadação com a herança serve para subsidiar o governo americano para garantir serviços públicos de qualidade, ou ainda, quando para se evitar tamanha tributação, o dono da herança o investe em ações sociais (ex. fundações), ou lega todo seu patrimônio para a empresa seguir crescendo, desenvolvendo novas metodologias e tecnologias, gerando mais empregos e ativando a economia como um todo.

Mas aliado a isso, o grande equivoco na política tributária sobre o patrimônio e, conseqüentemente, na manutenção do acumulo das riquezas, está centrado na tributação da Renda.

Uma primeira análise dos quadros 5 e 6 poderia levar ao equivocado entendimento de que a tributação sobre a renda seria a expressão da igualdade tributária, haja visto que 50,48% do total da arrecadação tributária nacional é oriunda da tributação da renda.

Decompondo-se esta análise entre impostos e contribuições, percebe-se que o Imposto de Renda, em todas as suas acepções, corresponde à R$ 192 bilhões ou 18,22% do total da arrecadação tributária, ou ainda 36,1% do total da arrecadação sobre a Renda.

Enquanto todas as demais contribuições (sociais e previdenciárias), da ordem de R$ 285 bilhões, correspondem a 27,08% do total da arrecadação tributária, ou ainda 53,63% do total arrecadado sobre esta rubrica.

Os 10% restantes referem-se ao FGTS, de fato é um patrimônio ao qual o trabalhador é forçado a formar, entregando-o à União Federal sob a desculpa de se formar uma poupança para o trabalhador na hipótese do mesmo perder injustamente seu trabalho - e só nessa hipótese - valores estes que são remunerados a menos de 4% ao ano!

Alias, a inclusão do FGTS, das contribuições sociais (lucro, salário educação, sistema S) e previdenciárias na classificação Renda é proposital, porquanto os salários são uma das principais fontes de renda, dentre todas as possíveis.

Ou seja, a tributação direta sobre o que se entende por renda, pois o salário é um de seus elementos formadores, mas não o único - dos quais destacam-se a distribuição de lucros, ganhos de capital e financeiros, entre outros - tem um percentual baixíssimo, menos de 20% sobre o total, enquanto a tributação indireta, ou seja aquela que incide sobre a atividade econômica, corresponde a 43,97%!.

E se observarmos o Anexo 1 do presente, verificaremos que R$ 13 bilhões refere-se ao Imposto de Renda de Pessoas Físicas, R$ 78 bilhões ao Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas e R$ 100 bilhões refere-se ao Imposto de Renda Retido na Fonte.

O IRRF incide tanto para pessoas físicas como para empresas, pois em verdade é um empréstimo compulsório, um adiantamento de um tributo futuro e incerto que incide sobre quaisquer operações - desde o pagamento de salários, honorários, até mesmo sobre os ganhos financeiros.

Sua criação remonta ao preconceito frente a sociedade brasileira de que esta é sonegadora por natureza e pela desculpa da facilidade da arrecadação tributária, o que é perfeitamente aceito pela mentalidade de nossa sociedade.

Para piorar a situação, na era FHC, na manipulação e diversion (prefiro o uso da expressão inglesa mesmo) quanto ao controle da inflação, para justificar o investimento dos verdadeiros donos do capital - os 1% da população que concentram 10% de nossas riquezas além do capital estrangeiro sedento por um novo e barato mercado consumidor - no financiamento do fim da inflação, além de se pagar juros da ordem de 40% ao ano, de se manipular a taxa de câmbio em taxas irreais por 5 anos, concedeu-se aos donos do capital a mais completa e irrestrita isenção sobre seus ganhos de capital! Pois é o que diz o artigo 10 da Lei 9.2490/95. Vejamos:

Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.

Tal lei, tramitou no Congresso Nacional de forma espúria e foi publicada na calada da noite, mais precisamente no dia 26 de dezembro de 1.995, válida já a partir de 1o. de janeiro de 1996!

Enquanto a maioria da população, que labuta todos os dias de sol a sol para obter um salário suado no final do mês, tem tungado do mesmo entre 11% e 38,5% de seu salário[3] (somando-se as alíquotas da contribuição previdenciária e as faixas possíveis de IR), os donos do capital estão lá, tendo rendimentos totalmente isentos de tributação, permitindo um acumulo ainda maior de capital livre de quaisquer impostos.

Vejam que se tomou o cuidado de não se utilizar a expressão “isenção” e a partir daí criou-se uma propaganda oficial, apoiada pela mídia, para se criar um senso comum de que tributar dividendo ou lucro seria o mesmo que bi-tributar.

O que não é o caso pois são pessoas distintas que estão sendo tributadas.

Como a presente análise não tem o escopo de buscar discutir os diferentes conceitos jurídicos sobre as normas tributárias, somente para ilustrar tal afirmação, vale lembrar que nos Estados Unidos, a meca do capitalismo de consumo mundial, a grande celeuma sobre a tributação está diretamente relacionada à carga tributária incidente sobre a distribuição de lucros e dividendos[4]!

Não encontrei análises sobre o total de lucros, dividendos e juros sobre capital próprio distribuídos no Brasil em um determinado ano para trazer um parâmetro de comparação. Porém numa conta perversa, mas que atende aos fins da presente análise, considerando que o total pago à título de IRPJ foi de R$ 79 bilhões em 2009, por uma simples regra de 3, isso significa dizer que a Renda auferida pelas empresas foi de R$ 300 bilhões, considerando-se a alíquota máxima de 25% (o que com certeza não é o caso, pois nesse número se incluem as empresas sujeitas ao regime de tributação pelo lucro presumido). Excluindo-se o total de R$ 42 bilhões arrecadados à título de CSL, poderíamos afirmar que, em tese, R$ 258 bilhões de reais foram objeto de distribuição de lucros e dividendos!

Se aplicarmos a menor alíquota possível, 15%, sobre este total já teríamos um acrescimento de R$ 38,7 bilhões de reais na arrecadação tributária sobre a Renda, quase o equivalente à soma do que se arrecada de PIS e IPI, o qual é transferido para todos os cidadãos sem que os mesmos o saibam. Ou melhor: isso equivaleria a mais de 3 vezes o que é efetivamente arrecadado a título de Imposto de Renda das Pessoas Físicas!

Poder-se-ia dizer que a isenção da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos decorre da necessidade do capital para o estimulo da economia, pois tal capital é investido em atividade econômica, capital este que gera empregos e outras riquezas. Ok, poder-se-ia aceitar tal argumentação. Porém será que é justo, sob a ótica do principio da igualdade e da capacidade contributiva que tal rendimento não tenha qualquer tributação?

Essa injustiça no sistema tributário se reflete ainda mais quando analisamos que a alíquota para ganhos financeiros e de capital, salvo raríssimas exceções, é de 15%, o mesmo patamar daqueles que ganham entre R$1.500 a R$2.200 reais!

Ou seja, o governo ao pagar os juros sobre os Títulos da Dívida Pública - os quais na maioria dos casos está atrelada à taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) - atualmente em 11% ao ano, mas que entre 94 e 98 chegou a patamares de quase 50%, transferem a riqueza nacional aos detentores do capital dando aos mesmos uma rentabilidade anual absurda, deduzindo meramente 15% sobre seus ganhos.

Enquanto 82% das familias brasileiras labutam com todo o rigor e tem descontados de 11% para obterem renda bruta de até R$ 17.000,00 por ano, uma pessoa com R$ 200.000,00 aplicados numa aplicação de renda fixa aufere a mesma quantia já livre de impostos sem sair do sofá!

Ainda vale notar que os R$ 121 bilhões arrecadados das empresas entre IRPJ e CSL, tal custo é efetivamente repassado à sua cadeia econômica correspondente, não por serem tais tributos indiretos, porque não o são, mas sim por cálculos financeiros para a composição dos preços dos produtos e serviços oferecidos à sociedade. Ou seja, mais uma vez é a massa de 82% das famílias brasileiras que arcam, efetivamente com tal carga tributária.

De modo que, não obstante a carga tributária total sobre a Renda ser da ordem de R$ 192 bilhões, pode-se afirmar com certeza que sobre a Renda efetiva somente é arrecadado 113 bilhões (13 IRPF + 100 IRRF), sendo que a maior parte do IRRF arrecadado refere-se ao imposto incidente sobre o seu salário.

Por isso mesmo que pode-se concluir que a política tributária sobre a renda, da forma como ela está posta, é totalmente injusta na medida em que somente retro alimenta o acumulo de patrimônio por aqueles que já detém grande parte da riqueza brasileira.

3.2. Da tributação sobre a Atividade Economica

No que tange aos tributos relacionados à Atividade Econômica (IPI, II, IOF, ICMS, ISS, PIS, COFINS, CSL, CIDE), estes são conhecidos como tributos indiretos. Ou seja, seu ônus é transferido junto à cadeia econômica, sendo que o destinatário final assume o ônus de tais tributos de forma integral.

Isto decorre tanto de seu regime de apuração previsto em lei - sistema crédito X débito onde o tributo é calculado sobre o saldo financeiro da operação - quanto por cálculos financeiros utilizados pelas empresas no cálculo do custo final do preço do bem que circula economicamente (a expressão circulação aqui pode lembrar o ICMS, porém sob a análise pretendida, também cabe ao serviços).

Claro que há exceções, ainda que não totalmente verdadeiras, como é o caso do IOF (cujo valor é destacado pelos Bancos nos demonstrativos de suas operações de crédito), ou até mesmo do PIS e da COFINS, aos quais em 2003 e 2004 foi instituído o regime da cumulatividade e o da não cumulatividade, regime este de opção das empresas em razão das peculiaridades de sua atividade econômica.

Mesmo assim, a máxima de que, financeiramente falando, tais custos são repassados na cadeia econômica ainda é verdadeira, pois repise-se, o custo financeiros destes tributos acima destacados, sem sombra de dúvidas, são observados na composição do preços ao destinatário final de determinado produto e/ou serviço.

E 43,97% do total arrecadado de tributos no Brasil o são de forma escondida, onde o cidadão contribuinte não sabe e não tem como calcular exatamente o quanto está pagando!

Não obstante a injustiça deste sistema, pois como já dito, se presta a iludir e enganar o cidadão comum, poderia se dizer tal sistema seria justo pois paga mais quem consome mais. Ledo engano.

O impacto da carga tributária sobre a atividade econômica é financeiramente diferente de acordo com as receitas auferidas por cada pessoa.

Para comprovar isto, socorro-me mais uma vez a uma conta perversa, mas não muito longe da realidade.

De acordo com a "Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - Despesas, Rendimentos e Condições de Vida" do IBGE, as principais despesas de consumo de uma família brasileira com renda até 2 salários minimos (há época R$ 830) referem-se à Alimentação, Habitação, Vestuário, Transporte, Educação, e Saúde.

Para tanto, comparemos essa família com uma família que ganha mais de 20 salários Mínimos (R$ 10.375) de acordo com os percentuais indicados na tabela 8 do referido Estudo. Eis os resultados:

Quadro 07 A - Percentuais de despesas de acordo com Tabela 8 "Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - Despesas, Rendimentos e Condições de Vida"

Até R$ 830

Mais de R$10375

%

R$

%

R$

Habitação

37.2

308.76

22.8

2365.5

Alimentação

27.8

230.74

8.5

881.875

Transporte

9.7

80.51

17.7

1836.375

Educação

0.9

7.47

2.9

300.875

Outras despesas (vestuário, lazer etc)

12.8

106.24

9.7

1006.375

Quadro 7B - Descrição calculo carga tributária

Tipo

Descrição do Calculo da Aliquota

Habitação

não aplicável

Alimentação

ICMS 18%, PIS 1,65% COFINS 7.2%, IPI 5%

Transporte

ISS 5% ICMS 25% PIS 0.65% COFINS 3%

Educação

ISS 5% PIS 0.65% COFINS 3%

Outras despesas (vestuário, lazer etc)

ICMS 18%, PIS 1,65% COFINS 7.2%, IPI 5%

As alíquotas acima foram utilizadas somente para efeitos de comparação e podem não corresponder à realidade praticada por Estados e Municípios. Também não foram incluídos outros tributos, sejam relacionados à renda, sejam relacionados à atividade econômica, na medida em que os acima indicados são os principais tributos incidentes sobre a atividade econômica.

Quadro 7C - Impacto Tributário até R$ 830,00

Até R$ 830

Tributação

%

R$

% somado

R$

Habitação

37.2

308.76

0

0.00

Alimentação

27.8

230.74

31.85

73.49

Transporte

9.7

80.51

33.65

27.09

Educação

0.9

7.47

8.65

0.65

Outras despesas (vestuário, lazer etc)

12.8

106.24

31.85

33.84

Total Tributos

R$

135.07

%

16.27%

Quadro 7D - Impacto Tributário até R$ 10.375,00

Acima 10375

Tributação

%

R$

% somado

R$

Habitação

22.8

2365.5

0

0.00

Alimentação

8.5

881.875

31.85

280.88

Transporte

17.7

1836.375

33.65

617.94

Educação

2.9

300.875

8.65

26.03

Outras despesas (vestuário, lazer etc)

9.7

1006.375

31.85

320.53

Total Tributos

R$

1245.37

%

12.00%

Neste exemplo já se nota claramente uma diferença de 4% na carga tributária suportada por famílias que tem renda média de até R$ 830,00 daquelas que tem renda média de R$ 10.375,00.

E isso, não obstante a igualdade de alíquotas para uma mesma compra, a diferença reside na necessidade para uma vida minimamente digna. Por isso que o peso da alimentação sobre a renda bruta familiar é maior para a familia que vive com R$ 830,00 (27,8%) do que para a familia que vive com 10.375 (8,5%). Sem analisar a qualidade, com essa diferença, aqueles que possuem maior rendimento podem investir tanto em educação (300% de diferença na comparação acima) como também no acumulo de riquezas.

Ou seja, não obstante constituir-se na maior fonte de arrecadação tributária - 43,97% do total sem considerar o repasse financeiro do custo tributário dos tributos sobre a renda - a lógica da cobrança dos tributos sobre a atividade econômica retro-alimentam à lógica da concentração de riquezas, porquanto, mesmo utilizando-se de alíquotas iguais a todos os cidadãos, o custo financeiro de tal tributação frente as necessidades relacionadas a situação econômica de cada família são completamente distintas.

4) CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Em 2009, o PIB brasileiro foi de R$ 3,004 trilhões de reais. Como podemos pretender um melhor desenvolvimento econômico se a principal tributação - aquela incidente sobre a atividade econômica - equivale a 29,42% do PIB (R$ 464 de tributos sobre a atividade econômica e R$ 420 Bilhões de tributos sobre a renda que são repassados financeiramente ao custo dos produtos e serviços).

Tamanha tributação impede a redistribuição de riquezas pois, como vimos, a lógica do sistema tributário brasileiro tal como existe desde 1966 privilegia a manutenção de um status quo perverso e histórico, garantindo privilégios aos detentores do poder transferidos hereditariamente.

E o desrespeito aos Direitos Humanos é evidente. Aprofundar as desigualdades, ao invés de diminuí-las, ao longo de um processo histórico que remonta o descobrimento do Brasil não traz a Justiça Social que supostamente existe como valor máximo de nossa nação.

Por conseguinte, nossos representantes - eleitos democraticamente "em tese" - comentem verdadeiro crime de lesa pátria por sua reiterada omissão ao longo dos últimos 45 anos (desde a edição do Código Tributário Nacional). Pois a maioria de nossos representantes, que "lutaram pela redemocratização do Brasil" encontram-se na vida política ativamente desde antes do Golpe de 1964 e em 45 anos não buscaram enfrentar este que é a principal origem da desigualdade social brasileira.

Não nego que, principalmente nos últimos 8 anos, essa questão foi finalmente enfrentada, ainda que timidamente, com a instituição de novas faixas de alíquotas para o Imposto de Renda e os regimes do PIS e da COFINS alterados entre 2003 e 2004. Porém tais avanços foram insignificantes, haja visto não terem alterado a estrutura tributária vigente de forma sistêmica.

Quanto às recomendações que faço para a reforma tributária, a meu ver os princípios dos Direitos Humanos e Democráticos devem estar acima de tudo. O respeito aos 4 pilares fundamentais previstos em nossa Constituição - Igualdade ou Capacidade Contributiva, Liberdade, Legalidade e Anterioridade devem pautar efetivamente toda a reestruturação do Sistema Tributário Nacional.

Por sua vez, de forma a permitir uma verdadeira compreensão dos cidadãos quanto a carga tributária, o legislador deve primar pela simplicidade e objetividade. Expressão dessa recomendação é a necessidade de se evitar legislar por exceção, de forma a atender interesses específicos. Ou seja, o trinômio Fato Gerador, Base de Cálculo e Alíquota devem estar preceituados de forma clara e concisa, sem quaisquer exceções escondidas de forma subterfugia em textos legislativos confusões e conflitantes editados na calada da noite.

Quaisquer isenções e imunidades não podem ser aprovadas sem o expresso consentimento da sociedade, soberana que é, cuja análise deva ser precedida pela mais ampla transparência quanto às intenções bem como diagnóstico de impacto positivo para nossa sociedade.

Adiante, imperativo que se faça um debate sobre o conceito de Federalismo - não obstante o pacto federativo constituir-se numa clausula pétrea frente a atual constituição - para que se tenha um sistema verdadeiro e não uma concha de retalhos que, no papel, tenta harmonizar a relação de poder entre os entes Federativos.

Deve-se evitar a concentração de Poder junto à União Federal, caso seja mantida a opção pela manutenção do Federalismo, de forma a que a arrecadação tributária seja descentralizada e desburocratizada e traga efeitos práticos sensíveis aos cidadãos de cada cidade.

Com relação à carga tributária relativa à renda deve-se adotar um sistema de faixas de alíquotas que valham para toda a população indistintamente - sejam rico ou pobre, pessoa jurídica ou física - não se permitindo quaisquer exceções, porém respeitadas as características conceituais do que vem a ser renda e lucro.

Especificamente quanto a renda gerada pelo investimento de capital - pela transmissão de bens, pelo investimento numa empresa ou no mercado financeiro - deve-se observar a sistemática do Ganho de Capital, onde se calcule o retorno do investimento e somente após os ganhos possam, como devem, vir a ser tributados de maneira igual a todos os cidadãos.

No que tange aos tributos sobre a atividade econômica deve-se estabelecer a sistemática do Imposto sobre Valor Agregado, com a unificação de todos os tributos existente sobre o mesmo, onde o valor do tributo somente será efetivamente suportado no final da cadeia de consumo, de forma destacada ao preço apresentado.

Não quero parecer ser simplista, mas em resumo, estas são as premissas que acredito trazerem uma verdadeira justiça tributária para nosso país.

Infelizmente não tenho as informações, o conhecimento e a estrutura de análise necessária para justificar economicamente a mudança que aqui proponho.

De qualquer forma, sem muitas esperanças de que seja atendido, insto esse novo Governo que ora se inicia a romper com uma estrutura tributária arcaica, injusta e criminosa sob a ótica dos Direitos Humanos, de forma a fazer valer os valores constantes em nossa Constituição.

Com certeza esse será um processo longo e que trará acalorados debates. Porém ele deve ser enfrentado de forma transparente, sob o pressuposto da conscientização da população - isso mesmo dos 190 milhões de brasileiros - de forma a garantir sua participação ativa, cuja decisão final deva ser referendada por todos e não a cargo de meros 513 deputados e 81 senadores, os quais em 45 anos de vida política, reiteradamente quedaram-se silentes quanto ao tema.



[1] A contribuição de melhoria é aquela decorrente de obra pública que, diretamente, traga acréscimo de valor (melhoria) ao patrimônio de um cidadão ou conjunto de cidadãos devidamente identificados.

[2] Exceção à regra das contribuições são as contribuições previdenciárias, onde é defeso aos Estados e Municípios a cobrança de contribuição previdenciária para custear a aposentadoria de seus servidores públicos.

[3] 11% para aqueles que ganham até 1.499,15 mensais pois este é o limite de isenção do IR, 38,5% para aqueles que ganham acima de R$ 3743,19 mensais

[4] Sobre o assunto, vale a leitura do artigo publicado no link abaixo

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-70772009000100004