quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Retomando os trabalho - Começando com a PEC 55

Depois de 4 tenebrosos anos, tempo este que mudei completamente minha visão de mundo, a partir de métodos filosóficos extremamente críticos (leia-se filosofia marxista), e que entrei numa nova crise existencial, resolvi escrever um texto aqui no blog.

E começo falando da PEC 55 (PEC do fim do Mundo), provocado por uma pergunta de uma amiga no face. Comecei a responder para ela em tópicos. Acabou se transformando em textão – ainda que simples e irônico - que achei valer a pena transformar em texto para retomada deste blog, com algumas alterações. Não prometo periodicidade em novos textos, mas tentarei não passar mais do que 1 mês sem escrever por aqui. Quem sabe ainda tem louco nesse mundo que queira ler o que penso.

Vamos lá.

1) Compreender a PEC 55 não é fácil. E não se explica em si mesma, sendo necessário contextualiza-la para além da luta por direitos sociais, contextualizando-a na luta de classes que marca a sociedade capitalista. Por isso, um pouquinho, um nadica de nada, de compreensão marxista moderna sobre o capitalismo, dentro do processo de luta de classes. O capitalismo (não aqui tomado meramente em sua dimensão econômica, mas sim em razão de sua forma de sociabilidade - trabalho que assume forma de mercadoria e, no calculo de tempo, gera capital na desigualdade que se reproduz em seu entorno = mais valia ou mais valor, sendo que o valor corresponde ao trabalho humano corporificado numa mercadoria - não necessariamente física - como serviços de informática, advocacia etc), por suas contradições e antagonismos é marcado de ciclos de crise. Ora de acumulação ora de consumo, guardadas características históricas especificas (crise de 1929 não é a mesma da de 2008. Alias a crise de 2008 tem mais a ver com a de 71 que a de 29, mas ainda assim são distintas).

2) O tipo de crise vivido no Brasil (que pela 1ª vez segue o mesmo momento histórico e de tipo mundial) é de acumulação.

3) Lucro é o contrario do valor. Quanto mais valor produzido, mais trabalho humano é empregado na produção, porém quanto mais trabalho humano empregado, menor é o lucro (quem quiser saber mais procurem compreender o que é a composição orgânica do capital e a composição técnica do capital – temas estes objeto de estudo não só do marxismo, mas também do estruturalismo keynesiano – O Richard Wolf tem um livro ótimo introdutório do assunto que se chama Contending Economic Theories. Neoclassical Keynesian and Marxian).

4) O modelo neo-desenvolvimentista brasileiro (=estado de bem estar social a partir de politicas públicas oriundas da ação do Estado - tipo saúde, educação, previdência social) iniciou sua fase de crise em 2011, essa crise se refletiu no Estado brasileiro (via arrecadação tributária e outras fontes de receita estatal) no final de 2012 e com mais força em 2013.

5) A crise de acumulação se deu principalmente no setor que mais emprega trabalho humano na atualidade - exatamente o de serviços - e ainda não se encontrou nova necessidade de mão de obra em outro setor (já existente ou em criação), ao mesmo tempo não se criou tecnologia suficiente que diminua a necessidade de mão de obra nesse macro setor econômico.

6) Paralelamente a isso, o Estado brasileiro (ai sim me refiro somente às terras tupiniquins), com o inicio da crise do modelo neodesenvolvimentista, passou a utilizar de manobras contábeis tanto para manter as políticas publicas (leia-se educação, saúde e previdência) quanto para manter a distribuição de riqueza entre o rentismo tupiniquim.

7) Quando me refiro ao rentismo tupiniquim (pois há rentismo em todos os cantos do planeta) me refiro àquelas 5.000 famílias que vivem da apropriação da riqueza nacional (leia-se trabalho dos brasileiros), por meio de remuneração vinda da apropriação do orçamento publico, tanto de títulos da divida publica (leia-se juros selicados), indenizações seculares e infindáveis de precatórios pagos com juros moratórios e compensatórios, contratos com a administração pública (serviços, concessões, fornecimento de mercadoria, outros).

8) Voltando: com o inicio da crise, na luta pela apropriação orçamentária (rentismo x políticas publicas), o lado que defende o rentismo (leia-se PMDB, DEM e PSD + PSDB - que representa o interesse de bancos + empresas estrangeiras) percebeu o atraso no seus recebíveis e, ao mesmo tempo a diminuição da reserva de apropriação orçamentária para pagamento de seus direitos (ou seja o chamado Superavit primario) e a partir dai passaram a exercer enorme pressão política (que foi explicada do ponto de vista fiscal/orçamentário de pedalada fiscal).

09) Tentaram defender seus interesses por enorme pressão política buscando quebrar o PT (veja que não me refiro a esquerda) na eleições de 2014, iniciando o forte movimento (que já vinha desde 2009) a partir de junho de 2.013. Lembram-se das jornadas de junho? Vale aqui lembrar dos seus movimentos. Inicialmente elas começaram com as alas muito mais a esquerda que o PT, que criticavam o centrismo do PT e sua conivência com inimigos históricos aos interesses sociais (criticas com as quais me filio sobremaneira), nos primeiros dias, o tucanistão paulista e paranaense mandaram sentar a mão, gastar os estoques de bala de borracha, para afastar. Mas como todo político é, por essência, um oportunista, viram que a impressa passou a adotar o discurso de ditadura. E rapidamente fizeram o que? Mudaram o foco das passagens (que respingava nas prefeituras) e da violência policial (que respingava no governo estadual) e, a partir de manipulações midiáticas, voltaram toda a critica, de ambos os lados, para quem? Para a Dilma. Antes de junho de 2.013, a aprovação da dilma batia records (inclusive entre amigos meus de direita). Com isso, mais o discurso das pedaladas fiscais e o inicio das investigações da lava jato, acreditaram que levariam a presidencia em 2014. Mas não deu. Quem ganhou todo mundo sabe quem foi.

10) O 2º Governo Dilma, como um bêbado equilibrista, ainda tentou conciliar politicamente, interesses econômicos totalmente inconciliáveis e por isso ela tinha que se alijada do poder, pois não seria possível esperar mais um ciclo político. Mas a falta de uma base de modelo econômico para representar a tirou do poder. Afinal não era sua culpa.  O momento histórico da crise acumulação de 2008 impõe o aprofundamento das desigualdades, nunca a defesa de um modelo econômico pautado no consumo.

11) Toda luta política necessariamente depende de uma luta ideológica. Inclusive quando a luta política é armada (lembrem do mote da 2ª Guerra Mundial – Liberdade!!! Que nada mais significava, para ilusão de muitos, a liberdade capitalista). A luta ideológica aqui é tratada tanto no tocante a luta moral/ética, quanto a luta ideológica econômica (liberalismo X intervencionismo ou Estado de Bem Estar social - únicas correntes que se amoldam na sociedade capitalista - marxismo não entra pois sua critica radical se dá nas raízes da reprodução social do capital, ou seja na forma de organização do trabalho - trabalho enquanto mercadoria). Não a toa, mas de maneira não causal, a “descoberta” dos escanda-los da Petrobrás e construtoras, cai como uma “luva” para a bandeira ideológica moral/ética que reforçaria a bandeira ideologica economico liberal (no mensalão, não havia uma força na luta ideológica econômica, pois estávamos no auge das benesses capitalistas do neodesenvolvimentismo de então –a bandeira ideológica moral da corrupção do mensalão, como qualquer bandeira ideológica baseada na moral/ética, não tem força para se sobrepujar aos interesses econômicos).

12) Momentaneamente, interesses econômico políticos conflitantes entram em sintonia (rentismo tupiniquim - PMDB, PSD, DEM + entreguismo financeiro PSDB) para tirar o governo Dilma. Isto sob várias bandeiras ideológicas tanto econômicas (discurso de crise fiscal) quanto moral (corrupção). Eis o Impeachment da Dilma. Impeachment que se consolidou juridicamente em abril-agosto/2016, mas de fato já em agosto/2015 (quem me conhece e conversou comigo em outubro/novembro de 2.015 lembrará que eu dizia que a Dilma sairia, entre março e maio/2016 – TENHO TESTEMUNHAS DE PESO E RENOME!!!!).

13) Tomado de assalto a presidência da republica, é hora de fazer a lição de casa para a retomada do processo de acumulação. Esse grupo político, ao invés de atuar nas bases do grande buraco orçamentário (pagamento de juros e outras formas de apropriação orçamentária - que correspondem a 40%-50% do orçamento publico federal - algo na ordem de 700 bi), ataca os 15% a 25% do orçamento que correspondem exatamente a que? Às políticas publicas patrocinadas pelo Estado - leia-se saúde, educação, previdência.

14) Mas não é só. Saúde, educação, previdência não são meramente políticas publicas, mas sim atividades econômicas que podem ser rentáveis. E no Brasil, (exemplo mundial de Universalização de Saúde enquanto direito fundamental do cidadão (sim, com todas as suas mazelas, não há um sistema publico de saúde de acesso gratuito no mundo como o de cá, bem como de universalização de educação promovida nos últimos 15 anos), saúde, previdência e educação até os anos 90, não eram vistas como atividades econômicas interessantes ao setor privado. Agora, em tempo de crise, sem novos regimes de acumulação a vistas, qualquer "novo" setor (entre aspas pois previdência, saúde e educação de nível superior vem crescendo enquanto mercado privado desde os anos 90). E o aprofundamento da exploração desse mercado, antes privativo ao Estado, é extremamente necessário. E como se faz isso? Gerando demanda, ou seja, retirando, pelos próximos 20 anos, a capacidade do Estado em prestar tais serviços, precarizando-os ainda mais.

Bônus track (leia-se o lado internacional da crise e a volta da disputa rentismo X entreguismo – PMDB, PSD X PSDB)

15) Paralelamente a isto, temos que observar a crise do capitalismo mundial (antes se chamava de tríade pois englobava EUA, Europa e Japão. Mas o Japão está estagnado desde os anos 90 e vem perdendo sua prevalência na economica global. Ainda assim mantenho o uso da expressão tríade)

16) A crise de 2008 não é meramente financeira, muito embora seu estopim seja financeiro com a bolha nos derivativos financeiros em geral (não só hipotecários). A crise de 2008 é, para mim, a crise final do Estado de Bem Estar Social criado lá no final do século XIX e implementado no mundo capitalista a partir do crash de 29 (ainda vou escrever um artigo acadêmico sobre isso).

17) Algumas correntes teóricas vem proclamando que esta é a crise final do capitalismo (como a linha do Grupo Krisis da Alemaha). Respeito muito as análises desse grupo, reconheço que ainda tenho que me aprofundar no seu estudo, mas de ante mão discordo de alguns pontos nos quais eles se baseiam (tipo ausência do papel da política na queda final do capitalismo, incapacidade da metamorfose do capital – ou melhor da reorganização do trabalho enquanto mercadoria, num linguajar mais simples).

18) Seja como for, o capitalismo mundial (como o brasileiro), ainda está na busca de um novo regime de acumulação estável e seu consequente modo de regulação. É nesse contexto que EUA e Europa ainda não encontraram novos modelos econômicos que garantissem seus respectivos pactos sociais (isso ainda hoje- Japão está em estado de estagnação desde os anos 90). E, na lógica neo-imperialista, para a manutenção da "estabilidade política-social" de lá, passou-se a uma forte pressão de exploração de riqueza (leia-se trabalho) nas terras de cá e acolá, ou seja no resto do planeta, e em todos os seguimentos econômicos - do petróleo ao financeiro, passando por cadeias de comércio, serviços e construção (cito essas 4 pois tem tudo a ver com Brasil.

19) Mesmo com a crise, os EUA definitivamente dominam o mercado de petróleo no mundo (oriente médio - principalmente Iraque - Norte da África - como a Líbia), restando somente alguns rincões produtores que não estão sob seu controle (Venezuela e, coincidentemente, Brasil p. ex). Agora podem implementar sua política de preços globais de acordo com seus interesses. Inclusive para quebrar seus concorrentes menores (de novo, Venezuela, e quem quem quem, Brasil novamente). E no momento, a necessidade é de petróleo barato.

20) Com a crise de 2008 vinculada primeiramente a mercadoria dinheiro (assumida enquanto equivalente universal), se inicia uma corrida para a repactuação do equivalente universalmente adotado desde 73 e do Basileia 2 – o chamado padrão dólar-dólar (lembram do Consenso de Washington, pois é, olha ele ai). Nas discussões do Basileia 3, os BRICs, com forte atuação tupiniquim, tentam acordo com a União Europeia para criar um novo “padrão monetário internacional” baseado num mix de moedas e em regras de controle com maior amplitude de competências e participação. EUA dizem “NEM A PAU JUVENAL”. Já não basta a confusão que é o padrão do Euro, envolvendo quase 30 países desenvolvidos. Imagina envolver mais 40 países subdesenvolvidos. Tsc tsc tsc NEVER. Mas entre 2011 e 2012 acabam aceitando fazer acordo com União Europeia (verdadeira grande prejudicada da crise de 2008), mantendo-se o padrão dólar-dólar e deixando a competição mundial dizer o que seria do Euro dentro deste novo paradigma. Como também para criar padrões de Compliance financeiros (como assim, um pais de tradição consuetudinária, que domina o mundo desde os anos 20 do século passado, aceitando fazer um pacto legal escrito). Inglaterra diz “Tô fora” e vem o Brexit. Conservadores americanos dizem, opa, não venham mexer na minha casa (EUA) e no meu quintal (o resto do mundo, menos china e russia). E elegem quem?  O topetudo proto-facista. Que se alinha com quem, com o ex “comunista” russo para, indiretamente, fragilizar tanto Europa quanto a China (verdadeira força de trabalho dos EUA desde 1979), para se (re)conquistar sua prevalência mundial. Xiii isso ai não está me cheirando bem. EUA e Russia juntos? Aliança momentânea, tal qual na 2ª Guerra Mundial, que gerará uma disputa futura ainda maior que não consigo nem imaginar.

21) Mas que raios tudo isso tem a ver com o Brasil, o golpe contra a Dilma e a nossa “crise econômica”? Tudo.

22) Antes de mais nada, lembremos que Desde a 2ª Guerra Mundial que se consolidou o entendimento de Estado de que é mais barato a imposição de subordinação financeira que o controle territorial a partir da força militar. Por sua vez, a transferência de riquezas nos últimos 40 anos não é a mesma dos navios carregados de ouro do nosso período colonial, ou das remessas de malotes de $$$ de até os anos 70. Agora basta um toque no computador (ou até mesmo no celular – abri uma conta corrente no BB semana passada pelo celular – que modernidade), que a riqueza é diretamente transferida aos seus centros de controle. Não só via bancos, mas também por eles, e principalmente por meio de novas tecnologias (tipo google, esse facebook, ou até mesmo o UBER, que vem se aproveitar do desespero de muitos desempregados na faixa dos 35-45 – inclusive amigos de cá – para sugar seu trabalho precarizado, sem qualquer direito trabalhista respeitado).

23) Voltemos. No neo-imperialismo marcado pela crise de 2008, há que se aprofundar a exploração riquezas (leia-se uma vez mais trabalho), é mister que haja uma apropriação de mercados antes ignorados, ou parcialmente livres. Desde 2003, o Brasil, sob o comando de Lula, e tendo por fundamento a promoção do emprego, tanto fortaleceu as construtoras para investimentos internos, quanto externos, o que fez com que alcancacemos uma força nunca antes vista tanto na America Latina, quanto na Africa. Por meio de subsídios financeiros (BNDES) quanto de empresas de economia mista (como a Petrobras), investimentos pesadamente no desenvolvimento de mercados sempre ignorados pelos EUA e Europa (prática econômica politica capitalista esta que, nos EUA e na Europa, se não feita pelos chefes de Estado, fatalmente implicariam na sua prisão. Por aqui, nos últimos 3 anos, essa prática antes saudada por estrondosos aplausos, agora é criminalizada pelo senso comum forjado pelo PIG).

24) Mas não é só. O valor do nosso trabalho se valorizou muito. Fazendo com que nosso “preço” de nossas comodities aumentasse. E ainda, as ultimas reservas de mercado históricas nacionais, ganharam enorme poder.

25) Como fazer, então para assaltar esses novos mercados criados pelo Brasil e para desvalorizar o preço alto de nossas comodities (leia-se trabalho), extremamente alavancados sob o ponto de vista de lá, e sem que isso implique numa luta armada? Fazendo dumping. Mas como? Várias estratégias. Cito as 2 principais. A) consolidando um novo paradigma no entorno do padrão de equivalência mundial (lembram do Basileia 3 que mencionei acima), que implicou numa desvalorização indireta de todas as moedas mundiais que não o Dolar e o Euro. B) Desvalorizando o preço das ações de quem controla os mercados de interesse para esse neo-imperialismo, a fim de compra-los na baixa, não na alta.

26) Mas como desvalorizar o preço das ações, se a força econômica é presente. Zaz traz, atacando as bases morais e éticas da imagem projetada por essas empresas. Eis ai a lava jato vindo com tudo em cima de quem? Petrobrás e construtoras nacionais (não todas, mas aquelas que deram suporte a quem defendeu o neodesenvolvimentismo – notem que a Constram e a OAS – ligadas ao tucanistão mal figuram no noticiário nacional, somente o são quando ligadas a desconstrução moral/ética do PT). Lembrem que uma empresa é uma ficção jurídica. A venda de seus papeis fictícios tanto é calculada objetivamente por sua capacidade produtiva, mas também subjetivamente, por sua imagem. E essa imagem é formada de “farinha jogada no fantasminha” (expressão que aprendi com um grande publicitário que conheci quando trabalhava no 3º setor), na qual se insere também sua dada moral/ética.

27) E depois do golpe (leia-se agosto/2015) o que tem ocorrido? A Petrobras já foi vendida para grupos americanos e europeus. As construtoras estão sendo forçadas a vender barato seus ativos para suas concorrentes internacionais, num primeiro momento na África, agora na América Latina e internamente no Brasil. E os direitos sociais dos trabalhadores, já desvalorizados nos últimos 3 anos, agora são completamente destruídos, para garantir que, nos próximos 20 anos, possamos vender nosso trabalho baratinho baratinho, tanto aos nossos rentistas, quanto aos EUA e Europa. Será que dará certo? Espero que não.

Anfan, consegui explicar um pouco o porquê da PEC 55 e da PEC da Previdência?


Em tempo: Não, não quero aqui justificar e/ou legitimar a corrupção e os escândalos recentes. Tenho a clara compreensão que a “corrupção” esta no DNA da forma de sociabilidade capitalista (corrupção de nossas subjetividades, na subsunção formal e real de nosso trabalho ao capital, para legitimar a desigualdade do movimento de sua reprodução – ainda escreverei artigo acadêmico sobre isso). Tampouco defender o PT (que, desde o mensalão, já quebrou o idealismo pueril que marcava minha visão política). Faço essa análise pois não me perco mais no utópico, falso e impossível discurso ideológico ético-moral da sociedade capitalista, como forma de analisar a história, o momento presente e ter um pouco mais de clareza dos movimentos futuros.

Texto escrito de uma só tacada, sem revisão. Prometo que o farei em breve. Por isso, desconsiderem o eufemismo excessivo, eventuais erros de digitação e/ou gramaticais.

E aos companheiros de filosofia marxista, lembro que meu objetivo com este texto é trazer um linguajar mais acessível. Logo inúmeros conceitos que nos são caros podem ter sido tratados de maneira superficial e que não adequadas aos conceitos, em sentido estrito, que nos propomos a debater profundamente.

Prognósticos para o futuro próximo. Está mais difícil de prever. Desde maio venho falando que é possível o contra golpe tucano. Algo que agora o PIG vem anunciando e seus fundamentos morais-ético capitalistas estão dados. Ainda não estou seguro. As eleições municipais fortaleceram a ala tucana que não quer o contra golpe. Mas tudo depende da disputa entre rentismo e entreguismo e estou ansioso para ver não só a proposta orçamentária que será aprovada, mas principalmente a consolidação da execução orçamentária de 2016 e sua execução no 1º trimestre de 2.017. Digo de novo que, se for para ter contra golpe, não passará de junho de 2.017

Por fim, digo que me sinto compelido a pedir desculpas pelo textão. Mas não pedirei desculpas não. Afinal nossa comunicação e a compreensão do mundo não pode ser limitada a 144 caracteres. Quem sabe ainda não transformo cada um dos 27 tópicos em 27 capítulos e os organizo num livro chamado “O 18 Brumário brasileiro do século XXI”....

domingo, 28 de outubro de 2012

Um novo tempo para São Paulo


Escrevo na esperança de novos tempos para São Paulo. E especialmente para diversos amigos e conhecidos que atuam diretamente na política - muito dos quais vejo em fotos e matérias televisivas, ou então percebo suas ações nas práticas políticas das últimas duas eleições - e que devem estar se sentido derrotados agora. 

Há quase um ano atrás escrevi um texto (clique aqui) apresentando minhas expectativas para as eleições que se findaram hoje. Apontava para o fato de que, pela primeira vez desde a redemocratização, teríamos a possibilidade de ter uma renovação de quadros dos representantes dos principais políticos em disputa. Renovação esta, na maioria dos casos, não intencional pelos dirigentes partidários, mas sim em razão do lento e constante avanço de tempo e de gerações. Errei por um. Acreditava que o candidato seria o Henrique Meirelles. Subestimei o conservadorismo paulista e paulistano que ensejou o medo do novo e, de maneira aterrorizada, ensejou a viabilização do José Serra como representante das famílias quatrocentonas de São Paulo. A ponto de o FHC, o tucano de mais alta plumagem ainda na atualidade, reconheceu o erro das escolhas de seu partido em SP, e por que não no Brasil como um todo (leiam aqui). Não obstante não o perdoe por suas ações frente ao Plano Real e ao período 1993-2002 (sobre isso já escrevi aqui no blog – cliquem aqui), FHC é ainda uma pessoa a quem admiro por ter um pensamento profundo (mesmo discordando) sobre a realidade, sabendo claramente suas escolhas. E mais uma vez, ao menos reconheceu em público o equivoco de seus consortes partidários.

Claro que entendo que “o novo” na política, ainda mais como fatos determinantes para uma escolha, é tema dos mais insignificantes. Não se pode dizer que uma escolha é melhor ou pior só porque o objeto da escolha é novo. Pois o reverso dessa lógica superficial também pode ser verdadeiro. Ou como dizia Sergio Reis: Panela velha é que faz comida boa. O que quero dizer é que um pensamento assim é de uma superficialidade burra e ilusória.

E a escolha do Haddad para governar São Paulo nos próximos anos é o exato oposto disto.

É triste a constatação de que a política em São Paulo, para me restringir por aqui mesmo, esteja adstrita a políticos limitados intelectualmente falando. Aqui me refiro aqui não a conhecimentos técnicos cartesianos em determinadas áreas, mas ao pensamento filosófico em si.

Mas felizmente, dentre todos os candidatos a cadeira maior de nossa cidade, posso afirmar que, mesmo inconscientemente, a escolha do eleitor caminhou no sentido de eleger o filósofo-rei, para me ater a expressão cunhada por Aristóteles. Todos sabem que o Haddad é formado em Direito, Economia e Filosofia. Porém só o título não basta (conheço muitos, muitos titulados que tem um pensamento filosófico tão raso quanto uma criança de 10 anos de idade). Pela análise crítica da realidade é que se alcança uma profundidade filosófica (e não o contrário) a qual determinará sua nova ação. E este é o caso de Fernando Haddad.

Suas ações políticas/administrativas são pautadas numa análise critica da realidade em que o interesse coletivo, a promoção da igualdade material entre todos os cidadãos, é o que deve prevalecer e não o contrário. E é exatamente isso que se percebe em todo o seu programa de governo, como também em seus pronunciamentos públicos. E o último deles, o da vitória, é marcado por uma sensatez, humildade, ponderação, respeito com o público e, principalmente, republicano e democrático. Vale a pena conferir (clique aqui).

Unir a cidade para um projeto coletivo urgente. Que garanta a Justiça Social; a Democracia Direta e Participativa; a Sustentabilidade Sócio-Economica-Ambienta; Transparência e Controle Social. Estimulo a economia criativa. Enfim. é algo que não vimos até então quiçá nos discursos dos predecessores de Haddad.

Isso denota uma mudança de postura única. Haddad, assim como a Dilma, o Lula e diversos políticos alinhados ao PT tem demonstrado uma postura que é entendida como um sinal de fraqueza, quando na verdade é o extremo oposto.

Reconhecer as dificuldades, mas se colocar verdadeira e energicamente a disposição para supera-las. Reconhecer os erros, inclusive em casos que ultrapassam a barreira da moral e da ética do momento presente e pedir desculpas. Articular com todos, independentemente de posturas ideológicas diferenciadas. Isto é uma demonstração de grandeza e de um amadurecimento político que, infelizmente, ainda não foi incorporado pela grande maioria de nossa sociedade.

Claro que tenho críticas ao PT. Críticas sérias. Principalmente no campo ideológico. Particularmente elas se originam na “Carta ao Povo Brasileiro” publicada em junho de 2002, momento em que se deu uma guinada na ideologia do PT, que rompeu com o socialismo em direção de um Estado Intervencionista de Bem Estar Social remodelado – não em razão dos 8 anos de FHC (que foram a maior expressão da implementação da lógica neoliberal do Consenso de Washington), mas sim frente ao Governo de Getúlio Vargas e João Goulart - e mais profundo. Não creio que esse seja o caminho ideal, mas dentre as possibilidades é a que se melhor coloca à disposição. Pois na ação do PT e de alguns de seus aliados, é que se verifica uma capacidade de ação direta que busca promover, a um só tempo, a emancipação política de cada individuo e uma distribuição mais justa dos bens materiais de nossa sociedade.

Particularmente acredito que a única solução para o fim das desigualdades sociais e para que alcancemos uma justiça social verdadeira é o socialismo. E para tanto há que haver a superação nuclear e estrutural do capitalismo burguês, que se baseia na circulação mercantil, em que o valor das coisas é estabelecido em razão do interesse de mercado, quando o ideal seria por sua utilidade frente ao interesse e, principalmente, às necessidades materiais do corpo social. Os meios de produção não devem estar a serviço do acumulo de riquezas e poder, mas sim das necessidades materiais reais de todos, indistintamente de sexo, raça e principalmente de uma meritocracia estupida, já arraigada desde os bancos escolares, que é uma das raízes das desigualdades sociais e o principal locus da reprodução social do capitalismo burguês.


E realmente gostaria que a sociedade paulistana, paulista e brasileira, superasse a visão tacanha que tem sobre a vida em sociedade, a vida política e institucional. Que advém de um paternalismo que remota as origens do homem em sociedade. É cansativo ver campanhas políticas em que os candidatos se colocam tal como o personagem “Sassa Mutema” que brilhantemente Lima Duarte interpretou décadas atrás em “O Salvador da Pátria”. O mundo é dialético e complexo por sua natureza. Não podemos admitir que as soluções virão de um “pai” onipresente, que assumirá as responsabilidades para atender as necessidades de seus filhos. O caminho é exatamente o contrário. Somente do ativismo político participativo e direto, em que nos empoderemos de nossa sociedade, em que as barreiras entre Estado-Instituições-Sociedade desapareçam é que nos revelará as ações a serem tomadas e os caminhos a serem seguidos.

Tampouco existe uma solução racional universal única que nos levará ao paraíso em terra ou no céu. Tomas de Aquino, Rousseau e Kant estavam equivocados em seu pensamento. Tampouco a dialética hegeliana (de tese e antítese em que o racional é o real e o real é racional) nos dá a solução necessária para a justiça social. Somente a partir de um pensamento crítico sobre a ação concreta havida na realidade do corpo social, tal como Marx e Engels propõem desde 1840, é que alcançaremos a igualdade real e a dignidade humana plena.

Por isso, a todos aqueles que estão com raiva nesse momento aqui vai uma recomendação: Superem a raiva, aprofundem seu pensamento filosófico crítico, para que assim, possamos propugnar um debate político de qualidade. Pois o que vimos tendo nos últimos anos, principalmente com o Serra/Kassab (e aqui me refiro a sua pessoa, não a seu partido), na boa, é enojador.

E Haddad, estamos aqui, te apoiando e ao mesmo sendo críticos. Espero que sua primeira ação administrativa seja a descentralização do poder municipal, com o fortalecimento das Subprefeituras e a criação dos Conselhos de Representantes. O desafio é grande e somente com o dialogo com todos é que poderemos superar os diversos desafios de nossa cidade.  Parafraseando Marx e Engels: “ Cidadãos paulistanos UNI-VOS!!!”

terça-feira, 31 de julho de 2012

O Direito não é expressão da Justiça....


Começou! O meu mestrado! Segundo dia de aula, primeiro com o Prof. Alysson, de Filosofia, a quem eu admiro muito mesmo tendo pouco contato.

E já na primeira aula, uma pergunta mexeu demais comigo. Preciso contextualizar. Após as explicações de praxe de como seria o curso neste semestre, cada um da sala se apresentou. Cada um dizendo o que fazia e qual sua tese. E como não podia deixar de ser, todos disseram que eram advogados... E eu me senti um peixe fora d’agua. Não me aguentei e, ao me apresentar, disse que achava que era o único na sala que não exercia mais a advocacia. Ao que o Alysson me perguntou: “Mas isso é bom o ruim?”. Na hora até pensei em contar a piadinha da diferença entre o certo e o justo, mas não achei apropriado. Pois polido e político que sou espontaneamente disse “as vezes é bom, as vezes não é”. Claro que não foram com essas exatas palavras, mas foi nesse sentido.

Finda a aula, voltei ao escritório – pois minha agenda está lotada de trabalho e amanhã tenho um evento importante – e no caminho essa pergunta me mastigou o pensamento. Pois mais uma vez me deparei com esse questionamento –  eis que diversas pessoas a minha volta sempre me criticaram conquanto a decisão e o caminho que passei a trilhar. E me veio um sentimento de repulsa contra a minha postura polida e política. 

Por isso resolvi escrever.

Eu não acredito no Direito enquanto único caminho para a Justiça. Quem me conhece a fundo – e são poucos – sabem que, na minha adolescência – quando eu comecei a ter contato com a essência do meu ser – eu queria ser ator, escritor, jornalista ou até psicólogo. Porém o pragmatismo do dia a dia me afastaram da minha realidade. No meu âmago aceitei na faculdade de direito pois queria entender todas as injustiças pelas quais eu e minha família passamos, principalmente a partir de 1990. Pois 

Já escrevi longamente sobre as injustiças que vivi e meu desprezo absoluto em relação ao governo PSDB (vide texto sobre o plano real) - como também cada dia fica mais claro que o PT se deixou levar no mesmo caminho, numa submissão à ordem mundial neoliberal – tudo isso em razão da lógica de poder e as formas de acesso a ele. Quero, portanto, relatar uma experiência que me levou a abandonar a prática da advocacia, de maneira tão radical como a vivo hoje.  

Nos 10 anos em que atuei intensamente como advogado, 2 sentimentos me perpassavam a mente, ainda que inconscientemente. O primeiro era o de que eu não vivia. O segundo era o de que eu não alcançava a Justiça.

Pois o Direito, em razão de sua derivação da forma social capitalista, tem como seu parâmetro de justiça a forma capitalista. E com isso, está cada vez mais longe da realidade da vida. E por isso ele é cada vez mais injusto.

O Direito, na realidade, tem em sua intencionalidade o afastamento do ser humano de sua natureza selvagem, regulando as formas sociais e, principalmente, as formas de dominação, a fim de evitar, ou relegar àqueles que dominam o poder do corpo social, o uso da força nas relações de dominação entre os seres humanos.

O Direito, portanto, busca exclusivamente, normatizar as relações de dominação entre os seres humanos, decorrentes da intrínseca condição humana que impõe a necessidade instintiva da diferenciação entre seres humanos morfologicamente iguais.

Assim é que a formação jurídica clássica não forma, como bem lembrou hoje o Prof. Alysson, pensadores do direito, mas sim e em verdade meros engenheiros jurídicos. Isto pois, a formação jurídica cada vez mais tende à instrumentalidade de uma engenharia normativa voltada ao sentido do capital, realidade esta de todos, absolutamente todos os operadores do direito que conheço. E cada vez mais estamos distantes do ideal da JUSTIÇA, que nada mais é do que a expressão da felicidade, aqui entendida como a condição de dignidade do ser humano. Lembre-se, como já disse em outra oportunidade, que a compreensão da felicidade e da dignidade não pode ser tomada a partir do pensamento individualista, mas sim, como bem afirma o Prof. Comparato, que para ser plena e verdadeira, somente haverá a felicidade e a dignidade quando todos os seres humanos assumirem a dignidade do outro como verdadeiramente sua, caso contrário esta será uma falácia.

Pois bem, ao longo dos 10 anos que pratiquei a advocacia, dificilmente, para não dizer na maioria absoluta das vezes, vi a justiça acontecer! Nunca fiz uma análise estatística, um dia farei. Mas assumo aqui que, em metade dos casos em que trabalhei não acreditava na causa - sendo meu serviço meramente protelatório – e a outra metade foi de casos em que acreditava no meu cliente, tendo buscado a justiça. Pois bem. Entre 60% a 70% dos casos em que não acreditava eu tive uma sentença de procedência. E somente entre 20 a  30% dos casos em que acreditava eu obtive uma sentença favorável, ainda que na maior parte dos casos tenham sido parcialmente favoráveis - os demais foram improcedentes.

Um dado curioso sobre os casos que tive uma parcial procedência é que, na maioria destes eu me valia de expedientes usualmente praticados pelos advogados – ditos como perfeitamente normais –  mas que eu repudio completamente. Qual seja, o contato direto com juízes por relacionamento que não eu, mas os escritórios em que trabalhei tinham. O famoso “despachar” privadamente, sem que isso significasse dar algo material em troca. É a expressão máxima do cordialismo que Sergio Buarque de Holanda brilhantemente explica no “Raízes do Brasil”.

E um certo dia eu me deparei com uma situação extremamente peculiar, limite e que me fez entrar numa epifania que levei anos para compreender. Foi num caso de uma reintegração de posse de um imóvel da Transbrasil – empresa que sofreu uma das maiores injustiças do Brasil em razão de uma guerra concorrência comercial entre Boing/GE e Airbus que tomou cabo no território brasileiro, culminando na criação da GOL para fazer frente a Airbus.

Ao longo de cinco anos eu dei sentido à minha ação profissional pela injustiça que foi a quebra da Transbrasil, até o fatídico caso da reintegração de posse. Pois no dia 05 de outubro de 2005, após 1 ano tramitando na justiça comum, foi determinada a execução da liminar de reintegração de posse de um prédio localizado ao lado do Mercado Municipal. Prédio este que foi abandonado em 2002 em razão da paralisação da Transbrasil e acabou sendo ocupado por pessoas extremamente pobres –  resultados desse capitalismo conflitivo, machista e destrutivo – que não tinham capacidade sequer de pagar por uma moradia minimamente digna, quiçá próxima ao centro de São Paulo.

Ocuparam aquele prédio –  de 6 ou 7 andares na esquina da Rua Plinio Ramos com a Paula Sousa – 400 pessoas, sem qualquer organização ou ligação à Movimentos de Sem Teto.

A liminar foi determinada por volta de março de 2005, tentou-se uma primeira execução. Não deu certo. Marcou-se uma reunião com a polícia militar (ocorrida 3 dias antes da segunda data determinada pelo juízo). Sem compreender exatamente o que estava ocorrendo, mas sem autorização prévia e expressa do escritório que trabalhava, sugeri o adiamento da execução a fim de dar tempo aos moradores para desocupar o prédio – decisão esta que foi bem aceita por meus chefes à época, os quais inclusive arcaram de pronto com um pedido feito por um grupo de moradores para disponibilizar caminhões de mudança para os que não tinham condições de levar seus poucos bens.

Mas mesmo assim, a ordem foi mantida. E não tinha como deixar de ser. Pois, não obstante a Constituição prever a “função social da propriedade” esta regra é sempre posta de lado, já que o Estado Brasileiro – e consequentemente o Poder Judiciário – é derivado da forma social do capitalismo, baseado no conflitivo, e tem sua principal razão de ser a defesa do capitalismo, donde o direito à propriedade privada é sua maior expressão.

E no dia 05 de outubro de 2005, uma quarta feira ensolarada de primavera, lá fui eu acompanhar a reintegração de posse, enquanto representante da Transbrasil.

O dia começou por volta das 06:30 da manhã com a concentração da tropa de choque da polícia militar num batalhão próximo à Avenida do Estado. Uns 100 policiais fortemente armados, uns 60 só da tropa de choque, uns 10 montados à cavalo, além de outras diversas viaturas, saíram do batalhão em direção ao prédio a ser desocupado. 

Dividiram-se em 3 grupos.

Um menor foi em direção a Rua Mauá para fechar a saída por lá. Um segundo, em direção a esquina da Paula Sousa com a Antonio Pais, também para fechar aquela rota. E um terceiro, o principal (incluindo a tropa de choque) se encontrou no estacionamento do Mercadão e foi pela Rua da Cantareira em sentido à Rua Paula Sousa. O cerco estava feito. Não tinha como ninguém escapar. Ou entrar para manifestar.

Por conta do trabalho de inteligência feito pela PM entre julho e outubro – em que policiais a paisana se infiltraram na ocupação de maneira a desarticular qualquer tentativa de politização daquela desocupação – de fato não houve confronto.

Eu realmente estava tenso com isso. Pois em maio daquele ano, uma outra desocupação nas proximidades havia resultado na morte de duas pessoas e um confronto horroroso com a polícia.

No dia da desocupação havia somente umas 100 pessoas, das 400 que inicialmente tinham ocupado o prédio. A maioria destas não tinha saído por motivos que não tenho como elencar aqui. Posso dizer somente que algumas realmente não tiveram tempo para ir atrás da ajuda de parentes, algumas porque ainda acreditavam na defesa jurídica que foi apresentada, algumas porque, de fato, não tinham noção do que estava acontecendo.

Após 6 horas o prédio estava livre e desocupado e por volta de 40 pessoas ficaram na calçada, ao relento, todas mulheres e crianças que não tinham sequer o que comer. O sol estava quente. Com o coração apertado, querendo chorar ao ver aquela cena, fui até uma padaria próxima e comprei litros e mais litros de água gelada e bolacha para servir a elas.

Para finalizar meu papel na ordem do dia, deveria fazer uma inspeção no prédio. Acreditem, as cenas que vi nunca mais sairão da minha mente. Um ambiente tenebroso, mas em algumas partes até que organizado (tinha o espaço dos carroceiros, um local de convivência, os fossos dos elevadores eram usados para jogar o lixo)... Mas na maioria dos andares era tudo muito escuro, sujo, com fios descascados, improvisando conexões para lâmpadas que mal iluminavam...   E um cheiro de podre, decorrente do das fezes e urina que escorriam do andar dos drogados (acho que o quarto andar). 

Nos andares das famílias (mais organizados), quartos improvisados de tapumes de madeira ou lençóis... Ainda com objetos que, na correria, foram deixados para traz – bonecas quebradas, jornais e revistas velhos, um caderno cheio de anotações incompreensíveis... E a mais indigna de todas as cenas: Um crânio de cachorro mastigado por dentes pequenos e um rato comido pela metade no meio de um dos quartos familiares.

Queria correr. Queria gritar. Queria chorar. Mas tinha que manter a aparência e a tranquilidade. Pois eu era o representante da Transbrasil, o elo de conexão entre a polícia, a justiça e o meu cliente. Mas sai de lá o mais rápido que pude. A única coisa que conseguia dizer aos policiais era obrigado. Obrigado não por terem feito o que fizeram. Mas por não ter ocorrido confronto. 

Quando na verdade eu devia ter tirado o terno e me juntado aos poucos que fizeram uma pequena manifestação por volta do meio dia. Alguns alunos de ciências sociais, pintados de palhaço e com panelas nas mãos. Duas das quais, quando me viram, vieram tirar satisfações comigo e, ao contrário da recomendação dos policiais, eu me mantive lá, firme, olhando nos olhos, não para enfrentar, mas para dizer, sem saber como, que elas estavam certas e eu errado... e que por isso merecia sofrer a humilhação que elas queriam me provocar... Pois aquilo era uma pequena punição que deveria viver naquele momento em razão da minha ação profissional. Queria poder agradecê-las pelo que fizeram comigo, mas não sei seus nomes.

Naquele dia, após concretarem as entradas do prédio, ainda voltei ao escritório para relatar que tudo tinha transcorrido bem. Mas eu estava destruído por dentro. Cheguei em casa um verdadeiro moribundo, deitei na cama e chorei, chorei por horas a fio... tentando entender o que tinha acontecido... indignado e com remorso por aquelas 40 pessoas que ficaram ao relento. Com raiva do pessoal da assistência social da prefeitura que, nos três meses que antecederam a desocupação, tampouco no dia de sua execução, nada fizeram... nenhum encaminhamento para albergues, ou para programas sociais de moradia, ou quiçá uma refeição... e ainda, o chefe de gabinete da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura teve o disparate de dizer aos moradores que a culpa era minha, que eu deveria ter fornecido moradias permanentes a todas aquelas pessoas.

Foram duas semanas sem conseguir dormir, muitas vezes acordando no meio da noite chorando de raiva e tristeza... numa depressão profunda – um pouco acalentada por uma jornalista que me acompanhou na vistoria do prédio, com quem me relacionei por duas semanas depois disso. Fato foi que, logo no inicio da semana seguinte fiz uma das maiores cagadas que já fiz na minha vida profissional e, consequentemente, resultou na minha demissão do escritório em que trabalhei por 5 anos. Hoje tenho clareza de que esta cagada se deu em razão da raiva e da depressão que vivi naquele fatídico 5 de outubro, pois queria me libertar e não mais cumprir com ordens com as quais não concordava.

Mesmo desempregado, ainda ajudei duas famílias que lá estavam. Paguei a passagem de uma família de 3 pessoas para voltar para sua terra natal – no sertão de Pernambuco. E comprei uma televisão para outra família, pois era a única fonte de lazer do filho deles de 4 anos e que, no transporte da mudança, havia sido quebrada pelos carregadores contratados.

Levei muito tempo para entender, racionalizar e verbalizar o que vivi naquele dia. Inconscientemente, porém, me veio uma sensação de repulsa, de nojo, para comigo mesmo e para com a profissão que havia me formado... E que, sem falsa modéstia, sou muito bom!

De qualquer forma, longe da raiva que vivi os últimos anos, ainda tenho claro para mim que o ideal da Justiça está longe do Direito, ainda mais como ele está posto. Pois a ordem que impera é a atomização da sociedade, por sua individualização egoísta, em detrimento do senso do coletivo. A medida do sucesso é ter e não ser! E quanto mais se tem, menos se vive. E a balança da justiça, não só no Brasil, mas no mundo, só encontra seu equilíbrio quando estes valores são garantidos e preservados, gerando 4 bilhões de pessoas que vivem em condições de extrema miséria. Não só porque não tem bens materiais, mas porque não tem a oportunidade de viver longe do estado selvagem. Não tem a oportunidade sequer de buscar as condições mínimas de vida, produzir seu alimento e sua moradia, pois a ordem da “civilidade” prevista na forma social do capitalismo, da qual deriva a forma juridica do direito positivo assim não permite.

Do meu lado, eu ao menos tive a clareza de negar usar a minha inteligência, a minha capacidade, oriunda das oportunidades que tive ao longo da minha vida, para ações como aquela que fiz e que culminaram no desalojamento de 400 pessoas, das quais 40 ficaram ao relento da rua... tudo isso na defesa de uma empresa que teve sua falência decretada em razão de uma guerra comercial da GE para fazer frente a Airbus no Brasil.

Esta é a resposta que deveria ter dado à pergunta feita na apresentação de hoje. Mas não tinha clareza e não havia tempo.

Isso, somado a todas as injustiças pelas quais passei desde 1990, me fez viver com raiva, com ódio no coração, algo que somente recentemente comecei a enxergar como me faz mal e me deram uma ânsia de viver de maneira diferente...

Por isso, larguei a advocacia, entrei de cabeça e alma na Escola de Governo, depois na política formal (trabalhei com a Soninha na Câmara dos Vereadores) e, desde 2009, estou na Atletas pela Cidadania. Trabalhando em prol da organização da sociedade civil, buscando, coletivamente, uma vida mais justa e solidária. Pois este é o sentido que encontrei em minha ação profissional.

E somente recentemente entendi que eu não devia negar, por completo, minha formação. Pois na minha 1ª sessão de terapia com meu atual terapeuta, ele me colocou categoricamente que eu continuava advogando, pois eu sempre disse que os trabalhos que fiz desde 2007 eram voltados ao avocar, origem da expressão advogar que sempre utilizei... E que, com isso, eu continuava representando um papel, como um verdadeiro ator...

Desde então, busco me livrar da raiva que vivi os últimos 22 anos, buscando viver de forma mais leve, mais positiva, mais equilibrada.... Esse é o meu desafio em 2012...

E por isso que busquei fazer o mestrado em Direito Político e Cidadania... Pois eu busco hoje “ter” um título de mestre, não porque queria ter um título que venha agregar valor e bens materiais à minha vida... mas porque, infelizmente, vivo numa sociedade que precisa de provas para, formalmente, trazer credibilidade e legitimidade de quem eu sou.

Também busco esse título de “mestre”, e depois de “doutor”, para, com essa legitimidade e credibilidade formalmente aceita pela sociedade, buscar a uma nova forma de relacionamento social, que permita a realização da justiça social! E para tanto, quero pensar, não mais somente como engenheiro jurídico, em princípios para a efetivação da Justiça, não no âmbito do Direito positivo, mas sim na realidade e no dia a dia de todos. E para isso, preciso me juntar às poucas mentes mundanas que conseguem abstrair-se da lógica materialista e conformista oriundas dessa lógica de poder machista que remota aos primórdios da humanidade. Pois não sou onipresente e não quero construir um 14 bis, mas sim um A380, para parodiar a fala do Prof. Alysson da aula de hoje. 

Por isso, para aqueles que já me perguntaram qual a minha tese de mestrado, aqui vai a resposta. Quero fazer uma análise crítica à Constituição Federal de 88, que numa falácia das elites brasileiras, foi nomeada como cidadã. Pois de cidadã ela, em verdade, não tem nada. E tampouco há justiça nela... E nela a Justiça não se pode realizar. Eis que ela é a expressão do neoliberalismo no Brasil, dado o momento histórico em que foi criada, na medida em que sua sua estrutura normativa é derivada do capitalismo materialista oriundo do Iluminismo, reproduzindo na organicidade das relações sociais as relações de conflito oriundas do capitalismo machista que representa, desde o século XVIII, a lógica da concentração de poder racional e materialista.

Talvez isso seja uma forma de pedir perdão àquelas pessoas....  que não sei o nome nem o que se passou com elas desde então.

PS: Texto escrito de uma só tacada... sem revisão... com certeza deve ter erros gramaticais...

PPS: a piadinha, machista que é, é a seguinte:

"Dois advogados se encontram na porta de um motel. Um entrando, o outro saindo. Cada um, respectivamente, com a esposa do outro. Um momento de tensão no ar. Cada um querendo quebrar a cara do outro mas, ao mesmo tempo sabendo que merecia apanhar também. Após alguns instantes, o advogado que estava saindo vira para o que estava entrando e diz:
- Pois é meu caro, situação dificil essa a nossa. Pois vamos fazer o que é CERTO. Vamos destrocar nossas acompanhantes e cada um segue com sua vida.
Ao que responde, puto de raiva, o que estava entrando.
- Ok, isso seria o certo, porém não é justo. Pois você está saindo e eu estou entrando....

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Corrupção, poder, solidariedade e dignidade

Mais uma vez cá estou eu a refletir muito sobre que linha seguir no mestrado....

Antes era a reforma tributária sob a ótica dos direitos humanos e do pacto federativo... mas venho me convencendo que posso tratar do assunto numa série de artigos que não uma tese de mestrado.

Ultimamente, tenho tido prazer em ler filosofia, sociologia, direitos humanos e política... Tenho devorado alguns livros com uma velocidade impar e terei que rele-los para melhorar minhas anotações e fichamentos. Foucault e, principalmente, Hanna Arendt tem sido minhas predileções.... Ao mesmo tempo em que tive a oportunidade de resgatar contato com o Alysson Mascaro, com que tive o prazer de fazer o curso da Escola de Governo em 1999 e agora estou lendo suas obras, com grande prazer, para entrar no mestrado.

Bem, a luz dessas leituras, venho pensando muito na questão de poder, e na sua relação com a consciência de ação e na necessidade de diferenciação do ser humano, que se refletem nos princípios da liberdade e igualdade, os quais foram e ainda são tão deturpados pelo capitalismo e o sistema do Estado de Direito Positivo que lhe é inerente.

E venho também refletindo pela ignorância, proposital, do elo que une a liberdade e a igualdade, ou seja a FRATERNIDADE, na tríade originária da revolução francesa (posteriormente totalmente deturpada pelo período do terror e por Napoleão Bonaparte).

A Hanna Arendt, na " A Condição Humana" traz no capitulo 5 uma explicação sobre a condição do ser humano que acho fundamental para enxergarmos o mundo em que vivemos. A reflexão que ela faz é no sentido de que, por minhas palavras, o ser humano se distingue dos demais entes da natureza por sua capacidade de agir conscientemente e pela necessidade de, em razão de sua ação, reconhecer seus pares e buscar sua distinção frente aos demais. Pois "é com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano, e essa inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato simples do nosso aparecimento fisico original".

Ou seja, ela não nega a visão aristotélica de que o ser humano é um animal político, mas ela aprofunda esse conceito ao dizer que a política surge da relação entre, como maneira do ser humano afirmar sua diferença entre os iguais.

Dessa compreensão surge o conceito de poder. Pois enquanto a condição inata do ser humano é poder (aqui me refiro à capacidade) agir e, assim, ser reconhecido por seus pares - na busca de afirmar sua diferença frente aos demais - a necessidade de diferenciação leva à necessidade de acumulo de poder, como maneira de imposição de sua vontade frente aos demais, atingindo um status de reconhecimento superior frente aos demais.

Pois o poder, e seu reconhecimento, trazem em si uma escala de valoração no mundo que é geralmente aceita pela coletividade. Logo, se destaca aquele que tem mais poder, pois lhe é reconhecido esse poder como algo em que os demais buscam refletir-se, como um horizonte para aqueles que não se destacaram....

Sem querer entrar na dialeticidade do poder e na característica diastólica que permeia o processo histórico do ser humano (de concentração e desconcentração de poder, refletido pela busca de maior liberdade em determinados momentos da história), o que me importa aqui é o choque entre a sociedade humana em regular o poder - e trazer a ordem à sociedade - e a busca pela diferenciação do individuo frente à ordem estabelecida.

Desde os atomistas, aos metafísicos, passando aos racionalistas e aos positivistas, nunca o homem conseguiu dominar sua sede de diferenciação, senão pela ética e pela moral, consubstaciado na solidariedade consciente em sua ação.

Por indicação do Prof. Alysson estou lendo um autor agora que deu fundamento ao Adolf Hitler, mas que faz uma reflexão extremamente importante sobre o poder, na ótica da soberania. Ele se chama Carl Schmitt e sua reflexão fundamental, ao analisar o Estado (e o Estado de Direito), sob a ótica do Estado secular e do constitucionalismo é a de que "soberano é quem decide sobre o estado de exceção".

Bem, desde que ingressei no direito, e principalmente nas aulas que dou na Escola de Governo, eu sempre afirmo que o maior erro da consciência coletiva de nossa sociedade está no fato de que, na abordagem da lei, pelo pragmatismo, sempre nos deixamos levar por regular a exceção, esquecendo a regra, ou seja o valor máximo da sociedade, decorrente de acumulo axiológico do processo histórico. Ocorre que a soberania, enquanto expressão do poder, é que deve efetivamente tratar, coletivamente, da exceção, sem prejuizos dos valores já aceitos e pactuados pelo poder soberano.

Porém, Schmitt nos lembra que, até mesmo o sistema representativo é uma falácia, na medida em que o voto individual anula a possibilidade do coletivo, reforçando o individualismo que, nas palavras do Eros Grau, são a força determinante (pressuposto) da ordem jurídica positivada (posta), a qual, em verdade, reforça o interesse daqueles que, em maior ou menor grau, tem mais poder, pautando o horizonte da ordem imposta.

Trazendo isso para os dias atuais, mormente após as revoluções iluministas, o que de fato ocorreu naquelas revoluções é a expansão da rede de poder (como anota Foucault), antes concentrada no regime absolutista - divino e hereditário - para a burguesia do capital - pautada na racionalidade das transações econômicas emergentes que remontam a Carta Magna. E dai que o sistema capitalista se apropria da racionalidade da lei, transvestido costumes eclesiásticos na secularização do Estado, este sim que passa a ser o "locus" do poder a serviço do poder que o determina, ou seja, agora o capital, antes o eclesiástico.

E por isso mesmo que as mazelas desse sistema ainda individualista, agora racional pela necessidade capitalista, nos impõe a invencível corrupção, não só com o ente público, mas principalmente no âmbito privado. Pois a necessidade inconsciente de diferenciação do ser humano, o impõe a todo momento, a busca do poder de exceção, de maneira a se desvincilhar da ordem comum da sociedade.

E a depressão, doença do século XXI, é a expressão da ansiedade do ser humano em não conseguir ser reconhecido como diferente, em não poder agir e não acumular esse poder. Donde decorrem diversos atos pautados pela tristeza profunda, o medo irracional que impede a ação, ou mais conhecidamente falando, as ações de raiva tendentes ao acumulo de poder, seja para amealhar dinheiro, seja para, num machismo espúrio, conquistar forçadamente uma mulher, ou ainda pelo ego conquistar uma posição de destaque, dentre tantos, tantos exemplos que o pragmatismo do nosso dia a dia nos mostra e nos cega ao mesmo tempo.


De qualquer forma, ainda longe da profundidade que pretendo em analisar esse tema, entendo desde logo que, em mais de 5.000 anos de história, a individualidade inconsciente e irracional ainda prevalece frente a ação consciente do ser humano, olvidando-se a necessidade do viver coletivo e, por isso solidário.

O maior reflexo disso em nosso noticiário dos últimos 20 anos é a corrupção, dita por tão arraigada e praticamente impossível de combater. Tal impossibilidade decorre em razão do valor individualista que determina a ordem da sociedade moderna, em especial a brasileira, não havendo sistema normativo positivista que consiga regular a exceção. Na medida em que a exceção se tornará ordem e a ordem é sempre o foco do poder a ser transposto na busca de nova exceção.

De modo que, os fatores determinantes é que devem ser transmutados, com a quebra de paradigma em razão do senso de coletividade em detrimento do individual, a qual permeia a história do poder, ao menos do mundo ocidental, desde tempos imemoriais.

Pois se verdadeira e conscientemente queremos um mundo melhor, esse deve ser um mundo de consciência... Onde o "Ser" seja mais que o "ter".... E onde o "dever ser", que para mim é, em verdade, o "poder ser" nos traga à reflexão do coletivo, em que a busca pela felicidade, expressão da tão sonhada justiça, deixe de ser a busca pela felicidade individual, pela busca pela felicidade coletiva. Por isso mesmo, como nos lembra o Professor Comparato, devemos assumir a dignidade do outro como verdadeiramente nossa, a fim de que alcancemos verdadeiramente o bem comum!!!

Depois eu posto a bibliografia....